A vez das pequenas


(Mercado Construção, Pamela Reis) 8/03/2010

Construtoras de pequeno e médio portes recebem investimentos de fundos nacionais e estrangeiros e crescem a taxas expressivas. Conheça as vantagens e os riscos dessa fonte de capitalização.

As hoje chamadas “grandes incorporadoras” se consolidaram nesse posto depois de entrarem na bolsa de valores e receberem aportes vultosos de investidores institucionais. À época, dizia-se que a capitalização das companhias consolidaria o mercado em poucas mãos. Passados três anos, chegou a vez das pequenas. Contradizendo as expectativas e catapultadas por investimentos de fundos de private equity – ou FIPs (Fundos de Investimento em Participações), construtoras de pequeno e médio portes têm atingido taxas vertiginosas de crescimento, amparadas por volumes de capital que dificilmente seriam levantados de outra maneira.

A construtora e incorporadora Sabiá, com apenas três anos de mercado, está recebendo investimentos da ordem de R$ 50 milhões e planeja crescer 350% em VGV (Valor Geral de Vendas) só em 2010. Outra construtora de pequeno porte, a Altana, fechou um contrato de R$ 30 milhões para aumentar em 500% a média anual de lançamentos num período de dois anos. A maranhense Meta Construtora, de 2008 para cá, capitalizou-se com R$ 25 milhões, ampliou o faturamento do conjunto de seus empreendimentos em 10 vezes e quadruplicou seu caixa. Fica a pergunta: como elas conseguiram?

A resposta se explica pelo crescimento, a passos largos, dos investimentos de private equity, que compram participação societária geralmente em empresas de capital fechado, com o objetivo de viabilizar o desenvolvimento dessa empresa e de seus negócios para, posteriormente, vender com lucro e muito valor agregado a fatia adquirida. O foco, portanto, é em empresas em expansão, ou seja, pequenas e médias.

Entre 2005 e 2008, o capital comprometido para alocação no País passou de cerca de R$ 8 bilhões para R$ 27 bilhões, segundo dados do Panorama da Indústria Brasileira de Private Equity e Venture Capital, realizado em 2008 pelo GVcepe (Centro de Estudos em Private Equity e Venture Capital da Fundação Getúlio Vargas).

Soma-se a isso o apetite crescente dos investidores estrangeiros pelo Brasil. Em 2009, de acordo com pesquisa realizada pela Empea (Emerging Markets Private Equity Association) em parceria com a Coller Capital, o Brasil atingiu o segundo lugar no ranking dos emergentes mais atrativos para investimentos de private equity, atrás apenas da China e uma posição à frente da Índia, que ocupava o segundo lugar até 2008.

Em meio à escalada dos investimentos, a construção civil se sobressai com participação de 17% no volume investido entre 2005 e 2008, a terceira maior segundo o panorama do GVcepe. A presença das empresas do setor no portfólio das organizações gestoras também decolou: de nove para 60 companhias entre 2004 e 2008, um aumento de 567%, o mais expressivo entre os 25 setores analisados pela pesquisa. Aparentemente, nem mesmo os solavancos da crise econômica abalaram o interesse dos investidores. Segundo estudo concluído em junho de 2009 pela consultoria PricewaterhouseCoopers, das 50 transações de private equity realizadas entre janeiro e maio daquele ano, nove foram destinadas ao setor da construção, o que o coloca em primeiro lugar no ranking do período (veja gráfico).

E mesmo com tantos avanços, os números provam que ainda há espaço para conquistar. Dados do GVcepe mostram que a indústria de private equity brasileira representa apenas 1,7% do PIB (Produto Interno Bruto), menos da metade da média mundial de 3,7%. Especialmente na construção civil, profissionais da área argumentam que esta ainda é uma modalidade de investimento pouco difundida, mas que tende a se fortalecer, tanto pelo amadurecimento dos FIPs como alternativa de capitalização, quanto pelas perspectivas otimistas do setor para os próximos seis anos.

Sidney Chameh, vice-presidente da ABVCAP (Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital), arremata: “Haverá uma nova onda de construtoras com investimentos em participação e o volume de recursos estrangeiros tende a aumentar. Isso porque todos os fatores que vão impulsionar novas construções vão também impulsionar o interesse do investidor estrangeiro em vir ao Brasil”. Mas afinal, como funciona este mercado?

 O perfil do investimento

Os investimentos de private equity podem ser feitos por uma empresa de participações (holding) ou por um investidor direto, mas é na estrutura de fundos que o negócio vem se consolidando.

Para construtoras ou incorporadoras existem duas maneiras de receber estes recursos. Na primeira delas, assim como em outros mercados, o fundo compra uma parcela de participação societária e passa a interferir diretamente no planejamento estratégico da empresa. Em outra configuração, o fundo entra como sócio em uma SPE (Sociedade de Propósito Específico) para desenvolver um projeto determinado.

De acordo com Pedro Klumb, diretor da empresa de finanças imobiliárias MSFI, “a maior parte dos novos fundos está voltada para projetos. O investimento direto na empresa é mais comum em companhias grandes, tradicionais, que já têm história e mostram resultados. As pequenas geralmente não têm a padronização e a organização que dão conforto aos investidores, logo, eles preferem entrar nos empreendimentos”.

A administradora de recursos Global Equity é uma das que investem apenas em SPEs. Segundo Frederico Dantas, diretor executivo da empresa, a segregação dos riscos do empreendimento, somada à interferência mais incisiva do fundo na gestão, permite reduzir a dependência dos processos gerenciais da construtora: “Dividimos a gestão administrativa e financeira com o parceiro e temos que dar conta do planejamento estratégico e da governança corporativa. Como optamos por fazer parcerias com empresas de pequeno e médio portes, sabíamos que algumas delas não atenderiam esse padrão e cuidamos disso internamente”.

Isso não significa, no entanto, que as aplicações diretas dos fundos sejam inviáveis às pequenas e médias empresas. Muitas vezes, a sociedade em um projeto específico funciona como degrau para uma união mais duradoura. “A SPE pode ser uma forma de o fundo avaliar o mercado, conhecer o setor ou mesmo testar uma parceria com o empreendedor”, garante Rodrigo Pasin, consultor da butique de fusões e aquisições V2 Finance.

Na outra ponta do processo, o tipo de investimento – em SPE ou na empresa – influencia também as estratégias de saída, ou seja, a forma como o fundo vai desinvestir o capital e receber os retornos ao final da operação. Se o aporte foi feito diretamente na empresa, a participação do fundo pode ser comprada de volta pelos sócios originais, ou vendida para outros fundos, empresas e novos sócios. É comum, em companhias maiores, a opção pela abertura do capital da empresa. Já nas parcerias em SPE, o retorno do investimento se dá pela comercialização das unidades. No caso de um imóvel comercial para locação, é possível securitizar os recebíveis do aluguel (convertendo os ativos em títulos mobiliários passíveis de negociação) ou vender o empreendimento para um FII (Fundo de Investimento Imobiliário), entre várias outras alternativas.


Fonte: PricewaterhouseCoopers

Quando optar pelo private equity

Não existe uma regra sobre o tamanho ou estágio ideal de uma empresa para que ela seja alvo de investimentos de private equity. “Em geral, a empresa deve ter experiência, conhecimento de mercado, controle de seus processos e enxergar uma oportunidade de crescimento”, afirma Pedro Klumb.

É essencial, no entanto, que o empresário saiba diferenciar o investimento em participações de outras formas de capitalização: não é só dinheiro chegando, é também divisão de poderes e compromisso com rentabilidade, em geral superior a 20% ao ano, num prazo que gira em torno de cinco anos. “As empresas têm que ter muito claro se elas querem o fundo de participação, se elas estão propensas a este tipo de apoio, melhoria ou mudança. É preciso cruzar a ponte entre ser o dono da empresa e ser um acionista”, alerta Sidney Chameh.

Mais do que parceiro, o fundo será um novo sócio, muitas vezes majoritário, e a empresa precisa estar preparada para o monitoramento que decorre da aliança. Segundo detalha Pedro Klumb, “geralmente em uma empresa média ou pequena os sócios trabalham juntos, um ao lado outro e não têm que prestar contas. Quando o fundo entra, é preciso fazer relatórios, ter disciplina, controle, burocracia. A rotina da empresa vai mudar e ela tem que estar disposta a isso. São as dores do crescimento. Se entrar sem pensar, corre o risco de se arrepender”.

Embora a perda da autonomia deixe alguns empresários ressabiados, o vice-presidente da ABVCAP argumenta que a prestação de contas pode ser saudável, pois aprimora os mecanismos de controle, estimula o amadurecimento e aumenta a eficiência da gestão. “A consequência disso é mais resultado para a empresa.”

O processo seletivo

Acessar o cofre dos fundos não é uma tarefa fácil. Para garantir retorno a seus cotistas, as gestoras fazem uma seleção criteriosa das empresas antes de fechar negócio. Segundo relata Rodrigo Abbud, diretor do braço de investimento imobiliário da Vision Brazil Investments, que administra atualmente um fundo de private equity, nos últimos três anos mais de 70 empreendimentos comerciais passaram pelo crivo do fundo. Destes, apenas três foram selecionados.

Para a pequena ou média construtora enfrentar a concorrência, o primeiro passo é traçar em linhas muito claras quais os objetivos projetados para o capital que será investido. “O empresário precisa ter uma visão do seu negócio: como ele vê a empresa crescendo nos próximos cinco anos? O que ele precisa corrigir para chegar aonde quer? Isso provavelmente vai exigir uma série de recursos que ele não tem”, afirma Pedro Klumb.

Sidney Chameh recomenda uma análise cuidadosa das forças e fraquezas da empresa, bem como das oportunidades e ameaças que se desenham no mercado. O estudo vai nortear a elaboração do plano de negócios que será avaliado pelo fundo e que deve esclarecer quem é a empresa, o que ela já realizou, aonde ela quer chegar, como pretende fazer isso e de que recursos necessita. Para auxiliar na reorganização dos processos internos é possível – e aconselhável – contratar uma consultoria especializada. Grandes bancos de investimento e butiques financeiras realizam este trabalho.

A iniciativa do contato com os fundos pode partir de qualquer uma das partes. Nesta etapa, networking é fundamental. “De mais de 20 empresas do segmento residencial que analisamos, a maioria vinha de relacionamentos prévios meus ou de pessoas que trabalham comigo. Muitos eu já conhecia do mercado, de negócios, de reuniões no Secovi (Sindicato da Habitação) e encontros do gênero”, exemplifica Rodrigo Abbud. Caso a empresa não esteja familiarizada com este mercado, a consultoria pode servir como ponte para a aproximação com os fundos.

Para Sidney Chameh, o melhor caminho é procurar um fundo que se adapte à construtora: “Por mais que a empresa esteja interessada no dinheiro, a escolha deve ser mútua, afinal, não é uma operação de curto prazo”. Os perfis dos fundos são diversos. A preferência por participações majoritárias ou minoritárias, o tipo de empresas que integram suas carteiras, a rentabilidade esperada, o nível de influência na gestão, tudo isso pode variar – e muito – conforme o regulamento do fundo. Ler um prospecto, perguntar por negócios feitos anteriormente e conversar com outras empresas que receberam investimentos são formas de se fazer uma pré-seleção. A própria negociação é reveladora da mecânica de trabalho da gestora do fundo.

Após o primeiro contato, as gestoras partem então para uma avaliação preliminar da empresa. Para Rodrigo Abbud, “a flexibilidade para uma política de governança um pouco mais estruturada é o principal ponto. A grande maioria das construtoras menores, centralizadas na figura dos sócios, não está aberta a isso. Mas se a empresa mostrar essa possibilidade de adequação, todo o resto se acerta”. Além dos aspectos gerenciais, os fundos avaliam o histórico e a performance da empresa, as perspectivas do mercado em que ela atua, a viabilidade dos empreendimentos planejados para o período de investimentos e, por fim, as estratégias de saída disponíveis.

Empresas pré-selecionadas passam então às rodadas de negociação com os fundos para definir os termos dos negócios – quanto será investido, qual será a participação de cada sócio, como serão feitos os aportes etc. – que, em seguida, são formalizados em uma carta de intenções, também conhecida por Term Sheet ou MOU (Memorandum of Understanding).

Confirmado o interesse e acertadas as arestas, inicia-se uma última etapa do processo: a due diligence, uma auditoria completa da empresa abrangendo as áreas técnica, ambiental, jurídica, financeira, comercial e de TI (tecnologia da informação). A inspeção é feita por profissionais terceirizados de diversos setores, contratados pelo fundo, e costuma durar em torno de três meses. Finalmente, com resultados satisfatórios nessa fase, fundo e construtora celebram o contrato de compra e venda da participação ou estruturam, em sociedade, a SPE. Mas o trabalho não acaba por aqui.

A fim de acompanhar a alocação dos recursos acordados, as gestoras de private equity, agora sócias do negócio, participam ativamente das decisões estratégicas da companhia, geralmente integrando o Conselho de Administração. Os investimentos na estrutura da empresa passam pela aprovação de comitês da gestora e os projetos são acompanhados via relatórios, fiscalização dos canteiros e reuniões periódicas. A liberação dos recursos é feita segundo o cronograma de obras e, muitas vezes, fica condicionada à comprovação dos gastos.

Tanta vigilância se justifica pelos resultados vigorosos registrados e pelo número crescente de empresas que buscam esta alternativa de capitalização. A julgar pela reação dos fundos, o modelo tende mesmo a se expandir. A Vision Brazil Investments está em fase de captação de seu segundo FIP imobiliário, que deve angariar US$ 500 milhões para investimentos no segmento comercial, residencial econômico e de shopping centers. A Global Equity, que já conta com R$ 360 milhões sob gestão em seu FIP para projetos comerciais e residenciais, tem a meta de atingir os R$ 500 milhões até 2011. A RB Capital, outra gestora de recursos, possui R$ 70 milhões investidos em 22 projetos residenciais de diversas regiões e está estruturando um novo FIP, de captação global e volume que a empresa classifica como “múltiplo em relação ao primeiro”.

Esses são apenas alguns exemplos do que vem por aí. Confira nas páginas seguintes a história – e os resultados – de algumas das empresas que já optaram pelo caminho dos fundos.

O que você pode ganhar e perder com investimentos de private equity

Benefícios

 

Capitalização

Com a venda de participação acionária para um fundo de participações, as empresas conseguem acessar um volume de capital que dificilmente seria igualado por outra fonte de recursos.

 

Foco no negócio

Com a garantia de capitalização por um tempo definido, não é preciso correr atrás de dinheiro para cada projeto desenvolvido. Os executivos ficam livres para concentrar esforços exclusivamente no desenvolvimento do negócio da empresa, que é a construção e não a captação de recursos.

 

Profissionalização

A reestruturação gerencial e a padronização dos processos impostas pelos fundos de participação colaboram para o amadurecimento da empresa e melhoram a eficiência da gestão. As práticas de governança instauradas preparam a companhia para um eventual IPO (oferta pública de ações), se este for um de seus objetivos.

 

Mudança de patamar

O compromisso com a entrega de resultados, somado aos investimentos na estrutura da empresa, resulta não apenas em crescimento, mas numa mudança de patamar. De pequena, para média. De média, para empresa de capital aberto. Segundo afirma o consultor financeiro Rodrigo Pasin, “é assumir divisão de poderes em troca de crescimento e geração de valor”.

Riscos

 

Não se iluda

É muito sedutor para uma empresa fazer uma operação desse porte. Falar não para um fundo é uma decisão difícil, principalmente se a empresa for pequena e o aporte, volumoso. Mas repense o seu negócio e analise friamente se você está preparado para as cobranças e o monitoramento que virão com o dinheiro.

 

Seja seletivo

Selecione o fundo que melhor se adapta à sua empresa, afinal, você vai travar um relacionamento de longo prazo com ele. Entenda os objetivos do fundo, pesquise investimentos feitos no passado e converse com outras empresas que receberam recursos. A própria negociação serve como termômetro da relação e permite que você sinta a mecânica de trabalho da gestora. Às vezes, o melhor a fazer é dar um passo atrás, ou você pode acabar casando com o fundo errado.

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