(Revista Téchne) – junho/09
Novas legislações obrigam instalação de sistemas de aquecimento solar da água em prédios residenciais. Adaptação impõe desafios técnicos a construtores e projetistas
Os sistemas de aquecimento solar de água não são novidade no Brasil. Esses produtos são comercializados por aqui há mais de 30 anos: timidamente até a década de 1990 e com mais força a partir da crise do “Apagão” de energia, em 2001. Historicamente, o principal mercado para esses sistemas tem sido o de residências unifamiliares, com a venda direta para os consumidores finais. Mas uma série de projetos de lei – municipais e estaduais, aprovadas ou em tramitação País afora – que obrigam construtores a instalar esses sistemas nos novos edifícios residenciais promete mudar essa realidade.
A cidade brasileira mais adiantada na adoção de sistemas de aquecimento solar de água – inclusive em edifícios altos, residenciais e comerciais – é Belo Horizonte, Minas Gerais. Lá, desde 1985 a concessionária de energia elétrica, Cemig (Centrais Elétricas de Minas Gerais), junto com empresas e universidades locais, estuda o emprego da tecnologia como alternativa à energia elétrica para a produção de água quente. De acordo com o projetista Rodrigo Cunha Trindade, da Agência Energia, já existem na capital mais de três mil instalações de grande porte. “Belo Horizonte é referência internacional em instalações de aquecimento solar de água para edificações multifamiliares”, afirma Trindade.
Em São Paulo, o debate ganhou força com a aprovação, em 2007, da lei 14.459, também conhecida como “Lei Solar” e de sua regulamentação, publicada em janeiro do ano passado. Ela determina que todas as novas edificações construídas na capital paulista recebam a infraestrutura para instalação do sistema de aquecimento solar de água. Além disso, algumas edificações deverão ser entregues inclusive com os captadores solares, reservatórios térmicos e aquecedores auxiliares (veja quadro “Legislação solar”). Nessas edificações, o sistema de aquecimento solar deverá ser dimensionado para suprir 40% da demanda anual de energia necessária para o aquecimento de água sanitária e de piscinas.

Imbróglios técnicos
A novidade pegou projetistas de sistemas prediais e construtores de surpresa. Até hoje, a maior parte das empresas brasileiras estava acostumada a projetar e executar sistemas simples, como casas e hotéis. Eram geralmente imóveis pertencentes a um único proprietário, o que dispensava qualquer tipo de divisão de conta de água e gás entre vários consumidores. No entanto, a imposição da necessidade de instalação de aquecimento solar em condomínios, por exemplo, colocou aos projetistas de sistemas prediais desafios técnicos, como conciliar distribuição de água quente e medição individualizada de consumo de água e gás. Em estruturas muito altas, surge também a necessidade de calibrar a pressão da água nas diversas “regiões” do edifício e nas bombas que viabilizam a recirculação da água quente do sistema.
O impacto no custo do empreendimento é, naturalmente, um aspecto que preocupa os construtores. Segundo Humberto Farina, especialista em sistemas prediais hidráulicos da Tesis Engenharia, no caso da legislação paulistana é pequena a diferença entre obrigar ou não o construtor a instalar o sistema de aquecimento solar completo nos edifícios residenciais. A grande questão é que ela determina que todas as edificações, independente do número de banheiros por unidade, contenham infraestrutura para receber coletores solares e reservatórios. Ou seja, em maior ou menor grau, haverá aumento de custos, tanto com projetos de hidráulica, que ficam mais complexos, como com materiais.
A instalação de sistemas de aquecimento solar também impacta a concepção dos produtos imobiliários. Se não houver espaço livre disponível no terreno em que a construção será erguida – o que é comum em áreas urbanas adensadas -, os coletores deverão ser instalados na cobertura do edifício. E isso tira dos construtores a possibilidade de explorar um espaço nobre do imóvel, reduzindo ainda mais a margem de lucro do empreendimento.
Farina acredita que se trata de uma quebra de paradigma para os arquitetos. “No conceito tradicional, o arquiteto ‘encaixa’ o sistema de aquecimento solar no projeto já concebido. Mas, agora, creio que essa é uma nova área técnica para a qual eles precisam de assessoria”, afirma. Rodrigo Trindade faz coro: “Se o sistema for pensado desde o início do empreendimento, poderá haver melhores soluções estéticas para a construção”, complementa.

Legislação solar
A Lei Solar de São Paulo, em vigor desde o ano passado, altera o Código de Obras da cidade e determina que as edificações novas tenham instalações destinadas a receber sistema de aquecimento solar de água. Algumas construções – como hotéis e motéis, clubes esportivos, hospitais e escolas – são obrigadas a receber todo o sistema de aquecimento, incluindo captadores solares, reservatório térmico e aquecimento auxiliar.
O sistema completo também deverá ser instalado nas novas construções residenciais, uni ou multifamiliares, que tenham quatro ou mais banheiros por unidade habitacional. O sistema deverá suprir pelo menos 40% do total de energia necessária em um ano para aquecer a água sanitária e de piscinas aquecidas. Edificações residenciais com até três banheiros por unidade deverão contar com a infraestrutura que permita a instalação do reservatório térmico e das placas coletoras de energia solar.
O vereador Fred Costa (PHS-MG) apresentou à Câmara de Vereadores de Belo Horizonte um Projeto de Lei, semelhante à paulistana, que obriga a instalação do sistema nas novas edificações multifamiliares e unifamiliares com mais de três banheiros ou que tenham piscinas maiores do que 5 m³. O documento, porém, não determina um porcentual mínimo de água quente que o sistema deve fornecer anualmente. Em ambas as cidades, a comprovação da inviabilidade técnica dispensaria a obra da necessidade de instalação do sistema.
Redes de distribuição
Existem quatro tipos de distribuição de água quente, divididos em duas categorias. Nos sistemas diretos, a água aquecida é a mesma que sai no ponto de consumo. Nos indiretos, a água aquecida funciona apenas como uma fonte de energia para aquecer a água fria das próprias unidades – o que ocorre num dispositivo chamado trocador de calor.
Dentro dessas categorias, pode-se optar pelo aquecimento complementar coletivo ou individual da água proveniente dos coletores solares. A opção pelo melhor sistema dependerá das características do edifício – espaço disponível no interior do apartamento, na cobertura, padrão do empreendimento etc. Segundo Rodrigo Trindade, da Agência Energia, nos novos empreendimentos há uma tendência de se retirar os reservatórios e aquecedores auxiliares das áreas comuns dos edifícios. José Jorge Chaguri, diretor da Caltherm, concorda. “A prática das construtoras hoje é fazer a rede com aquecimento de apoio individual, mas sem entregar os aquecedores. Cada morador compra o produto que achar melhor”, explica Chaguri. “Em alguns empreendimentos de alto padrão, ele entrega também o aquecedor, porque seu custo é pequeno em relação ao valor do apartamento”, conclui.

Aquecimento Solar + Aquecimento Auxiliar Individual
Como funciona: a água é pré-aquecida no sistema central de aquecimento solar do condomínio e distribuída para consumo entre as unidades. Cada apartamento conta com um sistema de aquecimento auxiliar, que fornece mais calor à água para que ela atinja a temperatura final de consumo desejada. O líquido não consumido pelas unidades volta ao sistema para ser reaquecido.
Características: os apartamentos que utilizam muita água quente durante o período da tarde – de maior incidência de raios solares – aproveitam mais o pré-aquecimento solar e usam menos o sistema de apoio individual, consumindo menos energia elétrica ou gás. Por outro lado, os que usam mais água quente no período da manhã, quando o pré-aquecimento é menos eficiente, recorrerão mais aos sistemas de apoio. Quando existe medição individualizada do consumo de energia elétrica e/ou de gás, os primeiros apartamentos tendem a pagar menos nessas contas.
Aquecimento Solar + Aquecimento Auxiliar Coletivo
Como funciona: tanto o sistema de aquecimento solar da água quanto o sistema de apoio são coletivos. A água quente, já na temperatura final, é distribuída para o consumo entre todos os apartamentos. Não são necessários aquecedores complementares nas unidades. A água não utilizada é reaquecida no sistema.
Características: como todo o sistema de aquecimento é coletivo, o consumo de energia elétrica ou de gás do sistema de apoio é cobrado do condomínio, e a conta é dividida entre os condôminos. A solução é o emprego de um sistema de medição individualizada na rede de água quente do condomínio. O consumo identificado no hidrômetro de cada unidade é utilizado para cobrar proporcionalmente dos condôminos a conta da alimentação do sistema de apoio. Em algumas redes, contudo, pode ser necessária a instalação de dois medidores por unidade habitacional (veja quadro “Medição individualizada x recirculação”).

Aquecimento Solar + Aquecimento Auxiliar Individual
Como funciona: a água é pré-aquecida no sistema central de aquecimento solar do condomínio e distribuída entre as unidades. No entanto, o circuito é fechado e ela não é utilizada para consumo. Apenas a energia térmica da água quente é utilizada para elevar a temperatura da água fria no próprio apartamento, num equipamento chamado trocador de calor. Não há mistura dessas águas. A água do sistema central volta ao circuito para ser reaquecida. Cada unidade conta ainda com aquecedores auxiliares para elevar a temperatura da água ao nível desejado pelo usuário.
Características: as mesmas do Aquecimento Solar + Aquecimento Auxiliar Individual (circuito direto).
Aquecimento Solar + Aquecimento Auxiliar Coletivo
Como funciona: sistema de aquecimento solar e sistema de apoio são coletivos. A água quente circula por um circuito fechado e é utilizada para elevar a temperatura da água fria em trocadores de calor dentro dos apartamentos. Não são necessários aquecedores complementares nas unidades.
Características: o consumo de energia elétrica ou de gás do sistema de apoio é cobrado do condomínio e a conta é dividida entre os condôminos. Porém, não é possível medir a quantidade de água quente consumida pelo apartamento, pois ela volta para o circuito fechado. Para ratear as despesas com aquecimento auxiliar coletivo, uma solução é medir o calor consumido por cada unidade para aquecer sua água fria. Isso é possível instalando medidores de calorias (BTU meters) nos trocadores de calor de cada unidade.
Recirculação x Redução de pressão

Um erro clássico na concepção de redes de água quente é a existência de ligações após a bomba de pressurização.A tendência da água, ao atingir esses nós, é entrar pelo ramal de retorno dos apartamentos.

Cada “região” do edifício atendida por uma estação redutorade pressão tem um ramal de retorno próprio. Deve-se dedicaratenção especial ao equilíbrio de pressão das bombas depressurização. Uma diferença mínima pode causarproblemas de retorno de água nos ramais de recirculação.
A solução acaba com os problemas de diferença de pressãodas bombas de recirculação. Um trocador de calor reaquecea água do ramal de retorno da região inferior, que não voltapara o sistema de aquecimento.A desvantagem é a menoreficiência do reaquecimento na região inferior da rede.
Medição individualizada x recirculação

Em circuitos sem recirculação, a água parada na tubulação perde calor durante períodos ociosos.
Quando o ponto de consumo é acionado, há um tempo de espera pela água quente. Nesse intervalo, a água parada, fria, é descartada. Apesar de não ter sido utilizada, seu consumo é computado pelo hidrômetro.
Nos circuitos com recirculação, a água quente entra no apartamento e abastece os pontos de consumo com temperatura constante. No entanto, apenas parte da água que entra na unidade é consumida. O excedente volta para a rede comum para ser reaquecido. A instalação de dois hidrômetros (um na entrada da unidade e outro na saída) e o cálculo do consumo pela diferença de leituras não é confiável, pois os resultados apresentados pelos medidores não são totalmente precisos.
Aquecimento chinês
Um dos grandes problemas dos construtores com as novas legislações é a possibilidade de perda de área útil do empreendimento para instalação dos coletores solares. Assim, quanto maior o rendimento desses componentes, menor será a área destinada a abrigá-los na cobertura do edifício. Tecnologias que “enxuguem” o espaço necessário à instalação dos coletores serão bem- vindas, desde que tenham qualidade.

Alguns importadores, como a Ultrasolar, estão trazendo da China sistemas de aquecimento que empregam tubos coletores a vácuo. De alto rendimento, esses coletores são cilindros com parede dupla de vidro reforçado, entre as quais existe vácuo. Como numa garrafa térmica, esse espaço evita que o sistema perca calor para o ambiente externo por condução. A parede interna é revestida com um material de alta capacidade de absorção de radiação solar.
O calor captado pode ser transferido para a água de duas maneiras: direta, nos sistemas em que a água a ser consumida passa por dentro dos tubos, onde é aquecida; e indireta, em que um gás passa, dentro do tubo, por um ciclo de evaporação e condensação, transferindo o calor para a água acumulada no reservatório acoplado aos sistemas.
Vantagens
– Menor perda de calor por condução no interior dos tubos a vácuo
– Vento e chuva têm efeito mínimo na eficiência dos coletores
– Maior rendimento na captação da energia solar
– Menor área necessária para instalação dos coletores
Desvantagens
– Poucos fornecedores no Brasil
– Maior dificuldade para reposição e manutenção dos componentes importados
– Falta de certificação de órgãos brasileiros
– Sistema mais caro que coletores comuns
Tecnologia europeia
Os trocadores de calor são equipamentos responsáveis, nos circuitos indiretos, pela transmissão da energia térmica da água quente do sistema coletivo para a água fria dentro das unidades residenciais. A Emmeti trouxe da Itália o Energy Box, produto que conta com um misturador que permite ao usuário programar a temperatura de uso da água. De acordo com o diretor comercial da empresa, Marcos Pelizzon, o produto é bastante utilizado na Europa, onde os sistemas indiretos de distribuição são bastante difundidos. Isso porque, em algumas épocas do ano, as temperaturas são muito baixas e a água que circula nos coletores solares são mais sujeitas ao congelamento. “Nos circuitos fechados, a água não é consumida, portanto é possível misturá-la com os alcoóis propilenoglicol ou etilenoglicol, que abaixam sua temperatura de congelamento”, explica Pelizzon.
Empreendimento sustentável
Os empreendimentos Ecolife, da Ecoesfera, são edifícios residenciais que contam com unidades de até quatro dormitórios e 105 m². Na rede desses prédios, a água pré-aquecida é distribuída em circuito fechado para as unidades, que contam com trocadores de calor e sistemas de aquecimento auxiliar individual. Essa foi a melhor maneira encontrada pela construtora para associar sistema central de aquecimento solar e medição individual do consumo de água nas unidades. De acordo com Carlos Henrique Pini, gerente de projetos da Ecoesfera, o custo adicional de implantação do sistema de aquecedores solares gira em torno de R$ 120 mil, mas pode variar de acordo com o porte do empreendimento.