(Valor Econômico) – 17/05/16
O volume de distratos – cancelamento de vendas – ainda elevado e o aumento da dificuldade de repasse dos recebíveis dos clientes para os bancos tiveram impacto negativo nos balanços das incorporadoras de capital aberto no primeiro trimestre, principalmente nos resultados das empresas focadas no médio e no alto padrão. As incorporadoras geraram menos caixa do que esperavam ou tiveram consumo, e a receita, as margens e o resultado líquido do período pioraram.
No primeiro trimestre, o setor registrou prejuízo líquido de R$ 696,6 milhões, ou seja, 188 vezes maior do que a perda líquida de 3,7 milhões do intervalo de janeiro a março do ano passado. A PDG Realty respondeu pelo maior prejuízo entre as incorporadoras, de R$ 410,5 milhões. A receita líquida do setor encolheu 29%, para R$ 4,444 bilhão.
Foi um trimestre no qual, em conjunto, as incorporadoras listadas na BM&FBovespa tiveram vendas líquidas de R$ 2,581 bilhões, com retração de 24%. No cálculo desse indicador, não foram incluídas as vendas da Brookfield Incorporações.
A Cyrela, menos agressiva na concessão de descontos, sentiu impacto da queda de vendas na redução da receita líquida. As vendas da companhia caíram 28,4%, e a receita líquida ficou 21,7% menor, mas a margem bruta foi mantida em 34,8%. Já a EZTec continuou a ter a maior margem entre as incorporadoras de capital aberto, apesar da retração de 10,5 pontos percentuais no indicador, para 47%.
Um analista setorial compara que incorporadoras que oferecem descontos maiores, como a Even Construtora e Incorporadora, tiveram redução de margens. A margem bruta da Even caiu de 24,6% para 19,2%, mesmo com o aumento das vendas. O indicador de algumas incorporadoras, como PDG e Rossi Residencial – que têm mais pressa de vender produtos e oferecem abatimentos maiores – ficou negativo. PDG e Rossi tiveram margens negativas de 11,4% e 4,6%, respectivamente no trimestre.
Segundo o diretor financeiro e de relações com investidores da Rossi, Fernando Miziara de Mattos Cunha, a margem ainda estará pressionada nos próximos meses, devido aos descontos.
Juntas, as incorporadoras lançaram R$ 2,108 bilhões de janeiro a março, 21% acima do Valor Geral de Vendas (VGV) de R$ 1,739 do intervalo equivalente de 2015. Não se trata, porém, de movimento de retomada do setor. Das 17 companhias listadas em bolsa, oito não fizeram lançamentos nos três primeiros meses de 2016, ante dez empresas no primeiro trimestre do ano passado. É preciso levar em conta também que a base de comparação é considerada fraca.
Entre os lançamentos dos três primeiros meses do ano, tiveram destaque os empreendimentos com valores enquadrados nas regras de financiamento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e projetos de loteamentos. Incorporadora com melhor desempenho no período, a MRV Engenharia é a principal operadora do programa habitacional Minha Casa, Minha Vida.
Apesar da queda de 5% na receita líquida, a MRV teve aumento de 5,8% no lucro líquido, alta de 3,4 pontos percentuais da margem bruta e geração de caixa recorde para um primeiro trimestre. O modelo construtivo da MRV de projetos para a baixa renda possibilita dispersão geográfica, com atuação em praças em que há menos concorrência, segundo outro analista setorial.
Algumas incorporadoras tradicionalmente focadas em projetos de padrões médio e alto têm apostado suas fichas em projetos com unidades de até R$ 400 mil, que se encaixam na linha pró-cotista do FGTS. Na divulgação dos resultados, o presidente da Tecnisa, Meyer Nigri, informou que a companhia retomará lançamentos neste ano e que o foco serão projetos residenciais com valor unitário de até R$ 400 mil.
Na incorporação de projetos para as faixas de média e alta rendas, a melhora do desempenho operacional ainda depende de mais oferta de crédito e taxas de juros menores, além é claro, da redução das rescisões de vendas e do ritmo de repasses. Há quem espere que, no consolidado, o setor possa voltar a crescer em lançamentos em 2017 e também quem diga que a retomada possa levar dois anos.
Até que as incorporadoras consigam reduzir estoques e distratos, o foco das atenções estará na venda de unidades prontas e em construção e na busca de geração de caixa. Os distratos ocorrem pela negação de crédito bancário e pelo cancelamento voluntário da compra pelo cliente devido à menor confiança na economia ou à insatisfação com promoções de preços que oferecem unidades semelhantes à sua por valores inferiores.
No primeiro trimestre, o aumento dos distratos foi uma das principais razões para que a divisão Gafisa, da companhia de mesmo nome, tivesse queda de 50% da receita líquida e piora da margem bruta de 28,9%, para 2%. Os distratos da Gafisa ocorreram, principalmente, em imóveis comerciais, cuja reversão de receita tem impacto maior.
De acordo com o co-presidente da Even Dany Muszkat, há expectativa de aumento nominal de distratos devido ao volume de entregas recordes da companhia no ano. A Even vai apresentar novos produtos ao mercado à medida que o desempenho das vendas de lançamentos e de estoques estiverem conforme suas previsões, segundo o executivo.
A disponibilidade de crédito é um dos principais vetores para o setor imobiliário. Desde maio do ano passado, a oferta de financiamento habitacional vem sofrendo restrições, e houve elevações nas taxas de juros cobradas. De janeiro a abril, os saques líquidos da poupança – principal fonte de recursos do setor – somaram R$ 32,296 bilhões, pior desempenho para o período desde o início da série histórica do Banco Central em 1995.
Há expectativa, no mercado, que quando os juros caírem para o patamar de 11%, a poupança ficará mais competitiva em relação a outras aplicações, ao mesmo tempo em que valerá à pena para os bancos captarem recursos de outras fontes como certificados de recebíveis imobiliários (CRIs) e letras de crédito imobiliário (LCIs). Com isso, haveria mais crédito imobiliário disponível.
Além de restrições de recursos, os bancos têm levado mais tempo na análise dos repasses, o que prejudica a geração de caixa das incorporadoras. A Cyrela consumiu caixa de R$ 13 milhões no primeiro trimestre, com menor velocidade de repasse e menos entrada de recursos com venda de estoques prontos. O consumo de caixa da Rossi foi de R$ 55,5 milhões, com redução do ritmo de repasses e com custo a incorrer das obras ainda elevado.