(O Globo) – 13/06/18
Com um volume recorde de imóveis retomados em estoque, a Caixa anunciou nesta terça-feira que vai realizar, pela primeira vez, um leilão no atacado. São ao todo 6.013 imóveis — espalhados por todo o Brasil —, que serão vendidos em dois lotes, com um desconto médio de 30% sobre o preço de avaliação, totalizando um valor mínimo de R$ 1,17 bilhão. O modelo deve ser, a partir de agora, replicado por outros grandes bancos do país, avaliam especialistas. É efeito da crise, que fez a inadimplência decolar, transformando as instituições financeiras em bancos de ativos recuperados. Ao todo, já são R$ 12,2 bilhões em bens retomados, sobretudo imóveis, nos principais bancos. Somente na Caixa são R$ 8,4 bilhões.
Fundos de investimento do Brasil e do exterior, dizem fontes de mercado, vêm demonstrando interesse em adquirir esses ativos com preço lá em baixo para, após a recuperação da economia, revendê-los com lucro. Apostam em demanda reprimida, num país em que o déficit habitacional bateu 6,1 milhões de residências, segundo estudo da Fundação Dom Cabral de 2015, usando dados do IBGE.
— A Caixa é, de longe, a maior proprietária de imóveis no Brasil hoje. E está trabalhando para dar liquidez a esse patrimônio constituído de bens retomados. Como banco público, a Caixa não pode negociar com interessados de forma isolada. Então, este primeiro leilão será um termômetro do interesse desses fundos — afirma um executivo do mercado imobiliário que prefere não se identificar.
A estratégia do banco é testar o apetite dos investidores e se desfazer aos poucos de um estoque de 46 mil unidades retomadas (entre apartamentos e casas), o mais elevado em quase duas décadas. Até agora, a Caixa adotava um modelo tradicional de leilão, com operações individuais nos feirões da casa própria. Em 2017, a instituição vendeu 10.526 unidades nesse formato e arrecadou R$ 1 bilhão.
Maioria dos imóveis está ocupada
De acordo com o banco, a nova metodologia permitirá reduzir os custos desse tipo de operação em 65% devido a ganhos de escala. O público-alvo são grandes conglomerados. No edital, a Caixa explica que as ofertas podem vir de pessoas físicas ou jurídicas, do Brasil ou do exterior, incluindo fundos de investimento e entidades de previdência complementar.
A maioria dos imóveis, contudo, está ocupada. A Caixa destaca no edital do leilão que há imóveis com ações judiciais em andamento, mas que não impedem a venda. Garante, contudo, que, em caso de perda do imóvel posteriormente ao processo por decisão da Justiça, o banco devolverá os valores ao comprador. Caberá ao comprador cuidar da desocupação.
Segundo interlocutores do banco, o acúmulo de imóveis retomados é resultado da própria expansão da carteira de crédito habitacional, que atingiu cerca de cinco milhões de unidades financiadas, e da crise na economia, com aumento do desemprego e da inadimplência.
Em média, a avaliação dos imóveis a serem leiloados é de R$ 200 mil, mas existem unidades de até R$ 6 milhões, diz a Caixa. Os maiores volumes de imóveis estão em Minas Gerais (1.168), São Paulo (1.167) e Maranhão (459). No Rio de Janeiro são 308.
As ofertas pelos lotes serão lidas em 2 de agosto, em um evento em São Paulo.
Segundo o especialista José Urbano Duarte, ex-vice presidente de Habitação da Caixa, ao se desfazer desses imóveis, o banco reduz gastos com condomínio e IPTU, além de melhorar o balanço ao trazer de volta recursos dados como perdidos por calote. Ele não quis arriscar uma avaliação sobre o resultado do leilão, alegando que a medida é inédita.
— É uma coisa absolutamente nova. Vai ser um teste — disse Duarte, destacando que o ritmo fraco da atividade econômica e o fato de serem imóveis usados diminuem a atratividade do leilão.
O mercado, porém, acredita haver interesse nesse tipo de imóvel.
— É sabido no mercado que há fundos de investimento do Brasil e do exterior interessados em comprar lotes de imóveis retomados pelos bancos com um deságio maior, para lucrar com a venda desses ativos mais adiante. Grande parte da clientela da Caixa é de classe média, a camada da população que foi mais afetada pela crise. Mas é também um segmento com grande demanda por imóveis, e que voltará a comprar quando a economia melhorar — explicou um executivo do mercado imobiliário.
Operação para grande investidor
Especialistas concordam que o leilão no atacado, anunciado pela Caixa, é uma forma de o banco melhorar seus indicadores e se capitalizar para continuar concedendo novos empréstimos.
— Esse leilão é para investidores muito grandes — afirmou Luiz Carlos Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic).
Embora tenham uma avaliação positiva do leilão, representantes da indústria da construção concordam que a venda destes megalotes não é garantida. Flavio Amary, presidente do Secovi-SP, por exemplo, explica que o sucesso “depende muito da avaliação que foi feita dos imóveis para a precificação”. Para ele, os compradores devem ser um grande fundo ou uma gestora de patrimônio.
Na visão do presidente da Associação Brasileira das Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), Luiz Antônio França, fazer o leilão no atacado é “uma estratégia que qualifica o lote”.
— Como o valor a ser investido é muito alto, só vai participar do leilão quem conhece o mercado e tem muito dinheiro em caixa. A operação não deve ter impacto na dinâmica do mercado imobiliário, porque o comprador vai ter que esperar para começar a comercializar as unidades. E pelo fato de as unidades serem espalhadas por todo o país, vai depender da dinâmica do mercado de cada região.
No balanço de Itaú, Santander e Bradesco, além do Banco do Brasil, há pelo menos R$ 4 bilhões declarados como bens que foram retomados. Segundo França, da Abrainc, as instituições financeiras fazem leilões periódicos destes ativos para pessoas físicas.
Luis Miguel Santacreu, especialista em bancos da Austin Rating, diz que a oferta desse grande volume de ativos pela Caixa não é usual, mas o movimento é positivo, porque deve ajudar o banco a se capitalizar se o leilão for bem-sucedido. Ele lembra que a Caixa não tem agora a opção de contar com aportes de recursos públicos, nem de abrir capital, por causa do momento ruim do mercado financeiro e do cenário político.