(Epoca Negócios – Soraia Yoshida) 29/06/2018
Não há espaço para pequenez na Singularity. A escola busca incentivar também a resolução de grandes problemas da humanidade, diz o executivo Pascal Finette
PASCAL FINETTE, CHEFE DO PROGRAMA DE EMPREENDEDORISMO E INOVAÇÃO ABERTA DA SINGULARITY UNIVERSITY (FOTO: DIVULGAÇÃO)
Não é pouca coisa a ambição da Singularity University. A nada convencional faculdade, criada em 2008 em um centro de pesquisa da Nasa no Vale do Silício, tomou como missão capacitar líderes a resolver os grandes desafios da humanidade. Com a ajuda de tecnologias em difusão exponencial e a formação de uma comunidade global, a instituição quer beneficiar 1 bilhão de pessoas. Delírio? O discurso tem cativado muita gente graúda ao redor do mundo.
Os preços dos cursos da Singularity começam em US$ 5 mil por dois dias. As turmas lotam – de jovens executivos a empresários do calibre de Jorge Paulo Lemann, homem mais rico do Brasil, todos atrás de um vislumbre do futuro de abundância que a instituição afirma ser possível. Em 2019, ela deve abrir sua primeira unidade no Brasil, numa parceria com a HSM. A HSM não confirma a abertura do campus.
No comando do Programa de Empreendedorismo e Inovação Aberta da Singularity está o alemão Pascal Finette. Aos 44 anos, Finette é o que se pode chamar de empreendedor serial: fundou várias empresas, chefiou o grupo de soluções para plataformas do eBay na Europa e, mais tarde, o Innovation Lab, do Mozilla. Também trabalhou no Google.org e criou organizações como Mentor for Good e o GYShiDo (Get Your Shit Done), um movimento para os chamados doers, aqueles que realizam e não ficam apenas no discurso. Entre os conselhos que costuma dar aos alunos, um tem peso maior: “construa o que importa”.
Ao conceber o que precisa ser feito, ele acredita que há valor no simples, contanto que tenha impacto – pode ser apenas uma ligação entre os pontos A e B. “No final das contas, é descobrir o que aflige seu cliente e resolver o problema”, diz. Mas exorta todos a tentarem agir diante de questões globais, como pobreza e analfabetismo.
Finette divulga seus pontos de vista em aulas e em seu site, The Heretic (o herege). A linguagem é sempre simples e direta. Ao comentar as novas exigências éticas do mercado, alerta os empreendedores: “vejo uma oportunidade colossal para todos que fazemos o que é certo. Você será capaz de competir assimetricamente com companhias de porte ou status muito maiores que os seus, mas que não conseguem enfiar na cabeça o que é fazer o bem”. Apesar de ácido, ele soa otimista. “Coletivamente, estamos criando um mundo de abundância tecnológica. Rapidamente disponível, barato e fácil de usar. Cabe a nós usá-lo da melhor forma possível”, escreve.
Nesta conversa com Época NEGÓCIOS, durante sua passagem por São Paulo, Finette exercita o pensamento crítico sobre o futuro no ponto que mais o atrai hoje: a interseção entre educação e empreendedorismo.
BASTA DE DECORAR NA SINGULARITY, OS ALUNOS SÃO CONVIDADOS A ENTENDER O CONTEXTO DE CADA PROBLEMA
Época Negócios A tecnologia muda tão velozmente que, no momento em que você deixa a faculdade, o conhecimento adquirido corre o risco de estar ultrapassado. Será que precisamos usar na educação a mesma abordagem de um empreendedor para escolher em que área atuar e fazer uso rápido das habilidades aprendidas?
Pascal Finette Acho que há muita verdade nisso. O antigo modelo de educação foi construído nessa versão industrializada de educação, baseada em grande parte em aprender fatos e ser capaz de recitá-los. No mundo para o qual caminhamos – em que basta apertar um botão para ter todos os fatos de que você precisa, carros só dependem de um comando de voz para ser ativados e o futuro está a apenas um pensamento de distância –, precisamos ensinar às crianças, e com certeza também aos adultos, habilidades como empatia, resiliência, adaptabilidade, como avaliar e lidar com o mundo novo em que vivemos. Essas, sim, são as habilidades necessárias.
Negócios As competências socioemocionais [soft skills] é que vão nos diferenciar, já que, de qualquer jeito, todos teremos de aprender tecnologia?
Finette Acho que há um conjunto de habilidades que gira em torno de design thinking e também da resiliência. Ambas podem ser ensinadas e aprendidas. Essas competências vão se tornar extremamente importantes para quem quer prosperar na carreira.
Negócios Salim Ismail [diretor-executivo da Singularity University] disse que os jovens deveriam desistir de fazer faculdade e se dedicar a algum problema que quisessem resolver. Vamos abandonar de vez a educação formal por um modelo mais dinâmico?
Finette Eu não acredito que teremos de abandonar a educação formal. Há muito valor no ensino tradicional e organizado, mas creio que vamos nos afastar desse processo de aprender fatos e factóides, de decorar informações, para chegar a um nível muito mais elevado. Falo de compreender o contexto e entender a complexidade do mundo em que vivemos. Muitos sistemas que existem por aí não são bons o suficiente.
Negócios Inteligência artificial, realidade aumentada e internet das coisas vão formar a base da plataforma para adquirir conhecimento em dez, 20 anos? Ou será alguma outra tecnologia que ainda está vindo? Qual a sua aposta?
Finette Já estamos vendo alguns sistemas centrados em inteligência artificial sendo melhores do que professores na escola. Acho que isso continuará acontecendo em uma escala ainda maior. Para ensinar alguém a ler e escrever, matemática básica, álgebra, habilidades linguísticas, provavelmente usaremos um computador com sistema interativo dotado de inteligência artificial. Agora, ensinar a alguém importantes competências socioemocionais, empatia e design thinking, eu não tenho certeza. Acredito que continuará sendo muito importante ensinar relações interpessoais, e não vejo isso perder relevância tão rapidamente.

Negócios Adotar a mentalidade das startups é apontado como a “salvação” para grandes empresas que querem sobreviver à revolução digital. O modelo das startups vai se sobrepor completamente ao das companhias tradicionais? Teremos milhões de pequenas empresas e menos espaço para as gigantes?
Finette Se eu tivesse de adivinhar – e aqui se trata mesmo de adivinhar –, acho que veremos umas poucas grandes companhias fazendo um trabalho muito importante. Os Googles e Facebooks deste mundo, não os vejo desaparecendo. E veremos muitas, mas muitas startups. As companhias médias, essas provavelmente enfrentarão dificuldades, porque não conseguem competir com as gigantes e não são ágeis como as pequenas. Como o ambiente e as regras são iguais para todos, mais o fato de que nunca foi tão fácil e tão barato abrir uma empresa, acho que as companhias que ficarem nesse segmento do meio serão espremidas. Mas há tecnologias, como a inteligência artificial, que necessitam dos recursos de uma companhia bem grande para evoluir mais rapidamente. É preciso contar com um banco de dados enorme, razão pela qual empresas como Google, Facebook e WeChat estão tão bem posicionadas para tirar vantagem dessa tendência no futuro.
Negócios O senhor tem uma camiseta com a frase “Build What Matters” [construa o que importa] e fala sobre esse conceito em seu livro [The Heretic: Daily Therapeutics for Entrepreneurs] e em suas palestras. Em 20 anos, o que estaremos construindo ou criando que seja realmente importante? Melhor: o que deveríamos criar?
Finette (Pausa) O que realmente importa é que você seja capaz de resolver uma necessidade grande do seu cliente. Que o seu produto ou serviço o coloque em uma posição fundamentalmente melhor, com valor agregado. Se conseguir isso, para mim você construiu algo que realmente importa. É claro que essas necessidades e desejos vão mudar com o tempo. A minha esperança é que daqui a alguns anos estaremos vivendo em um planeta no qual todo mundo tenha acesso a água potável e limpa, onde não haja 775 milhões de pessoas que não são capazes de ler nem escrever. Será que conseguiremos criar algo para solucionar essas questões que realmente importam? No final das contas, é descobrir do que seu cliente precisa e resolver o problema. E isso pode ser tanto um brinquedo quanto uma usina de dessalinização de água. Simples assim.