Novo marco legal do saneamento básico – Medida Provisória nº 844 de 2018


(Mattos Filho) – 13/07/2018

Foi publicada no Diário Oficial da União de 09.07.2018 a Medida Provisória 844 de 2018 (“MP 844”), a qual (i) atualiza o marco legal do saneamento básico no Brasil, (ii) altera a Lei 9.984, de 17 de julho de 2000, para atribuir à Agência Nacional de Águas competência para editar normas de referência nacionais sobre o serviço de saneamento, (iii) altera a Lei 10.768, de 19 de novembro de 2003.

Esta lei dispõe sobre o cargo de especialista em Recursos Hídricos, e (iv) altera a Lei 11.445, de 5 de janeiro de 2007 (“Lei 11.445”), para aprimorar as condições estruturais do saneamento básico no País.

As principais alterações trazidas pela MP 844 estão descritas no Item 1, ao passo que o trâmite para sua conversão em lei está apontado no Item 2. No Item 3, abordamos o risco de a MP 844 ter sua constitucionalidade questionada perante o Supremo Tribunal Federal (“STF”).

1. Informações Gerais:

As principais alterações trazidas pela MP 844 concentram-se nos seguintes pontos: (i) criação de novas competências para a Agência Nacional de Águas (“ANA”), (ii) atribuição da titularidade do serviço público de saneamento básico, (iii) privatização de empresas estatais de saneamento básico, (iv) possibilidade de subdelegação dos serviços nos contratos de programa, (v) necessidade de realização de chamamento público para contratações via dispensa de licitação, (vi) destinação dos fundos públicos disponíveis para o setor, (vii) remuneração dos prestadores dos serviços, (viii) novas diretrizes para o Plano Nacional de Saneamento Básico, e (ix) criação do Comitê Interministerial de Saneamento Básico (“CISB”).

Tais pontos serão brevemente descritos abaixo:

• Novas Competências para a ANA: a MP 844 dá à ANA uma série de novas responsabilidades. Dentre elas, destacam-se (i) instituir normas de referência nacional para a regulação e a prestação dos serviços de saneamento básico, com o intuito de zelar pela uniformidade regulatória e pela segurança jurídica do setor, e (ii) disponibilizar-se a atuar como mediadora e/ou árbitra nos conflitos entre Municípios, Estados e o Distrito Federal com suas respectivas agências reguladoras e prestadoras dos serviços de saneamento básico.

• Titularidade dos Serviços: a MP 844 inclui o artigo 8º-A na Lei 11.445, estabelecendo que os Municípios e o Distrito Federal são os titulares dos serviços públicos de saneamento básico, de modo que o exercício dessa titularidade será restrito às suas respectivas geográficas. Na hipótese de haver interesse comum na prestação desses serviços, ela poderá ocorrer via colegiado interfederativo (nos casos de regiões metropolitanas) ou via instrumentos de gestão associada – consórcios públicos ou convênios de cooperação –, nos termos do art. 241 da Constituição Federal, da Lei 11.107, de 6 de abril de 2005 (“Lei de Consórcios Públicos”) e do decreto que a regulamenta (Decreto 6.017, de 17 de janeiro 2007).

• Privatização de Estatais: o art. 8º-B da Lei 11.445, também incluído pela MP 844, estabelece que, caso haja alienação do controle acionário de companhia estatal prestadora de serviços públicos de saneamento básico, tal companhia não terá seus contratos de programa rescindidos. Assim, cria-se uma exceção expressa à regra do art. 13, § 6º da Lei de Consórcios Públicos, a qual estabelece justamente que a privatização de estatais prestadoras desses serviços resultaria na extinção de todos os seus contratos de programa. A própria MP 844 estabelece o rito a ser seguido pelo Poder Público caso se decida pela venda dessas companhias.

• Possibilidade de Subdelegação: nas situações em que a prestação dos serviços ocorrer por meio de contrato de programa, o contratado poderá subdelegar, total ou parcialmente, o objeto do contrato – desde que (i) haja a expressa autorização do titular dos serviços; e (ii) seja realizado prévio processo licitatório. Para tanto, o contratado deverá comprovar o aumento da qualidade na prestação dos serviços para a concretização da subdelegação. O contrato de subdelegação disporá sobre os limites da sub-rogação de direitos e obrigações do prestador de serviços pelo subdelegatário e poderá contemplar serviços que sejam objeto de um ou mais contratos. A

• Chamamento Público para Contratações Diretas: nas hipóteses legais de dispensa de licitação, anteriormente à celebração do contrato de programa (previstas na Lei de Consórcios Públicos), o titular dos serviços deverá publicar edital de chamamento público para angariar a proposta mais vantajosa para a prestação descentralizada dos serviços de saneamento. Caso haja pelo menos mais um interessado na prestação dos serviços, deverá ser instaurado procedimento licitatório, nos termos da Lei 8.666, de 21 de junho de 1993 (“Lei 8.666”), da Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, e da Lei 11.079, de 30 de dezembro de 2004. Na hipótese de não haver interessados adicionais no chamamento público, o titular poderá proceder à assinatura do contrato de programa com dispensa de licitação, nos termos do art. 24, XXVI da Lei 8.666. Importante destacar que essa disposição passa a valer apenas após 3 anos da data de assinatura da MP.

• Remuneração dos Serviços: a nova redação do art. 29 da Lei 11.445 prevê que os serviços de saneamento terão sua sustentabilidade econômico-financeira assegurada por meio da cobrança de taxas, tarifas e outros preços públicos e, quando necessário, por outras formas adicionais, como subsídios ou subvenções.

• Destinação de Fundos Públicos: na aplicação de recursos não onerosos da União, serão priorizados os serviços prestados por gestão associada ou que visem ao atendimento dos municípios com maiores déficits de atendimento e cuja população não tenha capacidade de pagamento compatível com a viabilidade econômico-financeira dos serviços, sendo vedada a sua aplicação em empreendimentos contratados de forma onerosa. Ainda, só terão acesso a recursos públicos os entes que cumprirem com as normas de referência nacional editadas pela MP 844.

• Novas Diretrizes do Plano Nacional de Saneamento Básico: a MP 844 inclui, como diretrizes do Plano Nacional de Saneamento Básico, estabelecer especificamente ações da União nas áreas indígenas, nas reservas extrativistas, nas comunidades quilombolas, nas áreas rurais e em núcleos urbanos informais ocupados por populações de baixa renda, bem como ações voltadas à garantia de segurança hídrica.

• Criação do CISB: por fim, a MP 844 cria o CISB, colegiado presidido pelo Ministério das Cidades e que tem por finalidade assegurar a implementação da política federal de saneamento básico e de articular a atuação dos órgãos e das entidades federais na alocação de recursos financeiros em ações do setor. A composição do CISB só definida em ato do Poder Executivo Federal.

2. Desdobramentos Legislativos:

A MP 844 foi recebida no Congresso Nacional e será apreciada por uma Comissão Mista, composta por Deputados e Senadores, cujos membros serão designados pelos líderes partidários. Após definida sua composição, o colegiado será considerado instalado com a eleição de seu presidente e a designação do relator.

O prazo para apresentação de emendas ao texto está em curso e se encerrará no dia 16 de julho. Caberá ao relator da matéria analisar o mérito do texto da Medida Provisória e das sugestões apresentadas pelos parlamentares.

Após análise e aprovação do parecer do relator pela Comissão Mista, a matéria deverá ser apreciada pelo Plenário da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nesta sequência. Se ocorridas alterações de mérito na redação da MP, ela será transformada em Projeto de Lei de Conversão (PLV), o qual será submetido à sanção do Presidente da República.

O Congresso terá o prazo de 60 dias, prorrogáveis por mais 60, para concluir a análise do texto, sob pena de caducar.

3. Possível Ação Direta de Inconstitucionalidade:

Associações ligada ao setor de saneamento básico, agências reguladoras e entidades municipais cogitam entrar com Ação Direta de Inconstitucionalidade (“ADI”) perante o STF, conforme informado por Fernando Alfredo Rabello, presidente da Associação Brasileira das Agências de Regulação – Abar.

Em essência, dentre várias discordâncias com o conteúdo da MP 844, o principal questionamento consiste na atribuição, à ANA, da prerrogativa de formular normas de referência nacional sobre saneamento básico – pois isso seria, para os questionadores da MP 844, uma prerrogativa exclusiva dos municípios.

Permanecemos à disposição para prestar quaisquer esclarecimentos que se façam necessários.

https://www.mattosfilho.com.br/pages/detalhes-noticia/nID/3026/noticia/novo-marco-legal-do-saneamento-basico–medida-provisoria-n-844-de-2018&lang=pt-BR?_cldee=cXVpemFAaW52ZXNwYXJrLmNvbS5icg%3d%3d&recipientid=contact-6b37e821c147e71180f7e0071b6eb6f1-488a54d76eed4915b1b4dbb802c9da81&utm_source=ClickDimensions&utm_medium=email&utm_campaign=Memorando%20%7C%20Infraestrutura%20Nacional&esid=0dc9b1b3-ce86-e811-813e-e0071b6eacf1

 

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