Valor Econômico, 30/06/2008.
Anunciada em março, a parceria entre os dois maiores grupos imobiliários da Argentina e do Brasil, IRSA e Cyrela, já está com novos investimentos engatilhados. A nova empresa formada pelos dois grupos, chamada IRSA-Cyrela, tem como objetivo explorar o mercado imobiliário argentino e uruguaio. O primeiro projeto conjunto, o Horizons Vicente López, um condomínio com seis edifícios e 420 apartamentos, situado próximo à Residência Presidencial de Olivos, em Buenos Aires, demandou US$ 120 milhões em investimentos. Foi lançado em março e em três meses foi totalmente vendido.
Até o fim de 2008 serão lançados outros dois empreendimentos nos bairros de Abasto e Caballito e mais dois estão programados para lançamento em 2009. “Só em obras, pretendemos investir entre US$ 80 milhões e US$ 100 milhões em novos empreendimentos até o fim de 2009”, contou ao Valor Fernando Barenboim, diretor-executivo da IRSA-Cyrela.
A joint-venture marca a primeira grande investida do grupo IRSA nos empreendimentos residenciais para a classe média, área na qual a Cyrela é especialista. A parceria com a companhia brasileira traz dois aportes à estratégia do IRSA neste campo: a “popularização” do modelo de áreas comuns de lazer e serviços e o financiamento direto aos compradores. As duas características são novidades na Argentina, explica Barenboim.
“O conceito de ‘amenities’ (serviços) existe aqui apenas nos apartamentos novos para a classe alta”, afirma. O empreendimento Horizons Vicente López ainda está em uma categoria superior à que, segundo Barenboim, a empresa pretende trabalhar. Está em construção em uma área de 22 mil metros quadrados (m2), dos quais 14 mil m2 serão ocupados por um conjunto de 51 tipos de serviços, desde o tradicional espaço reservado e especialmente equipado para crianças, adolescentes e festas, até business center, spa e cozinha preparada para aqueles que gostam de cozinhar para os amigos no fim de semana. O apartamento mais barato custa US$ 250 mil.
A intenção, para os próximos empreendimentos, é baixar esse valor para US$ 50 mil. “A idéia é lançar empreendimentos de nível médio, onde o crédito seja a ferramenta mais forte de venda”, diz Barenboim. Na Argentina o financiamento habitacional praticamente inexiste. O governo tentou estimular os bancos a liberarem financiamentos para a compra da casa própria em 2006 mas não funcionou. Para se ter uma idéia, enquanto no Brasil o índice de crédito total (para pessoas físicas e jurídicas) sobre o Produto Interno Bruto (PIB) supera 35%, na Argentina não passa de 12%.
A parceria com a Cyrela tem também este objetivo: ampliar a capacidade de alavancagem financeira do grupo para dar crédito aos seus compradores diretamente, como as imobiliárias sempre fizeram no Brasil. “Nos próximos empreendimentos vamos oferecer entre 800 e 1.000 apartamentos, com valores a partir de US$ 50 mil, pelos quais os compradores poderão financiar em até dez anos com prestações variando entre US$ 300 e US$ 500 mensais”, explicou Barenboim.
Outra técnica “importada” do Brasil é o investimento em marketing. O grupo quer aplicar 5% do valor de venda do empreendimento em ações de marketing, saindo um pouco da média do mercado portenho, que é 2% no máximo. “Aqui não há muito essa cultura de fazer propaganda de imóveis”. É verdade: os jornais de domingo em Buenos Aires trazem dezenas de páginas inteiras de anúncios de alimentos, eletroeletrônicos, automóveis e quase nada de lançamentos imobiliários, a não ser em suplementos especiais. É o contrário do que se vê, por exemplo, nos jornais paulistas e cariocas.
Barenboim admite que a IRSA-Cyrela chegou ao mercado no fim do ciclo de crescimento “chinês” da economia argentina. Depois de cinco anos crescendo a taxas entre 8% e 9% ao ano, a economia do país está começando a aterrissar por causa da inflação e dos baixos investimentos. O setor da construção civil, que vinha crescendo na velocidade de 40% anuais, começou a desacelerar já na metade de 2007.
O país atravessa atualmente uma forte crise política por conta de uma longa paralisação do setor agropecuário e há sérias restrições energéticas não equacionadas. Para este ano se prevê uma expansão máxima de 7,5% do PIB e para o ano que vem os economistas prevêem 5% a 6%.
Barenboim minimiza o fato e garante que é justamente nessas horas que surgem as boas oportunidades do mercado imobiliário. Mas admite que pelo menos 30% de todas pessoas que compraram os apartamentos do Horizons eram investidores. Foi também um golpe de sorte da sociedade imobiliária argentino-brasileira. Lançou o empreendimento num momento em que os investidores, assustados com a queda-de-braço entre o governo e os agricultores, corriam para ativos reais, dólar e imóveis.