Racionalização do transporte de materiais em edificações


Fritz Gehbauer, engenheiro civil, Universidade de Karlsruhe/Universidade Federal do Paraná.
Alexandre Gutierrez, engenheiro civil, Universidade Federal do Paraná
Cláudio Aguiar, engenheiro civil, Universidade Federal do Paraná
Fabíola Azuma, engenheira civil, Universidade Federal do Paraná
Michelle Beber, arquiteta, Universidade Federal do Paraná
Nadine Bertele, engenheira civil, Universidade de Karlsruhe

Diferentes estratégias vêm sendo implementadas na busca de maior eficiência na atividade de produção de empreendimentos. Dentre essas estratégias podemos citar a racionalização, que é vista como um elemento de vital importância em todos os processos da construção civil (Franco, 1996).

Os resultados que a racionalização pode trazer em uma obra são vários, e podem contribuir de maneira direta e indireta em todos os processos ao longo do ciclo de vida de uma obra. Nesse contexto, define-se racionalização como o estudo desse sistema de produção formado com base na realidade e tendo como meta a definição de melhorias (Gehbauer, 2004). Conforme Gehbauer os próprios processos de planejamento, administração, execução do trabalho e manutenção de edificações escondem algumas oportunidades de racionalização. Ao planejar a execução de uma obra deve-se optar por algumas possibilidades quanto à realização de um serviço: uso de diferentes equipamentos, materiais ou técnicas (Souza e Franco, 1997).

Racionalização
A racionalização é um processo contínuo de otimização dos recursos e processos disponíveis para a execução de um empreendimento, seja ele a execução de uma parede ou de um edifício. Gehbauer (2004) divide a racionalização em R1, R2 e R3, sendo R1 a racionalização no canteiro de obra, R2 a racionalização dos processos da empresa e R3 a racionalização de toda a cadeia produtiva. O presente estudo teve como foco a R1, ou seja, a racionalização no canteiro de obra. Limmer (1997) apresenta a busca pela melhor disposição possível dos materiais, a boa integração dos elementos que compõem a cadeia produtiva no canteiro de obra, a minimização das distâncias e o uso adequado dos espaços como alguns dos princípios básicos do arranjo do canteiro de obras. Conforme Gehbauer (2004), na construção civil freqüentemente é evidenciada a opinião de que cada obra é diferente e, portanto, não é acessível a métodos formais de racionalização, prevalecendo ainda a improvisação. No entanto, segundo o mesmo autor, não é considerado que o processo de construção também é composto de muitos processos parciais repetitivos e cíclicos, sendo assim acessíveis a métodos de racionalização, mesmo sendo cada obra diferente uma da outra.

Transporte de materiais
O transporte de materiais é uma atividade que, embora não agregue valor na construção civil, corresponde a, segundo Gehbauer (2004), aproximadamente 80% das atividades de construção. O primeiro passo para o entendimento e estudo de um sistema de transportes é a percepção de que se pode subdividi-lo em “ciclos” que, embora interajam entre si, podem ser avaliados individualmente (Souza e Franco, 1997). Quanto mais contínuo for um sistema de transportes, tanto maior a sua produtividade. Entretanto, o tamanho e a forma do que será transportado influem na escolha do sistema – Limmer (1997). Conforme Barros (1998), o estudo dos sistemas de transporte pode ajudar na sua otimização, no desenvolvimento de novas soluções ou, finalmente, na quantificação de vantagens associadas à adoção de um novo equipamento frente a uma solução tradicional.

Método de pesquisa
Apresentação da obra estudada: o cenário de estudo de caso em uma construção de edificação multifamiliar, localizada na cidade de Curitiba. O edifício analisado prevê 11 apartamentos, distribuídos em garagem, térreo, apartamento-tipo, apartamento dúplex e cobertura. O apartamento-tipo possui um total de 178 m2 de área. A edificação estava em processo de construção, sendo a estrutura dos pilares e vigas em concreto armado moldado “in loco”, as lajes em concreto armado protendido moldadas “in loco”, a vedação externa em alvenaria de blocos de concreto não-estrutural e as divisórias internas utilizando drywall. Quanto à organização do canteiro de obras, o escritório e o almoxarifado estavam localizados no subsolo, assim como o depósito de materiais, à exceção dos blocos de concreto e da ferragem que se encontravam no primeiro piso. Estava sendo utilizado concreto usinado em central de dosagem terceirizada e bombeado na hora de seu uso na obra.

Estrutura da pesquisa: observando o cenário da pesquisa, o estudo de caso foi escolhido como método de pesquisa. Assim, foram utilizadas as seguintes estratégias: observar; medir; registrar; pensar; e corrigir focados em R1. Inicialmente foi realizada uma entrevista não-estruturada, seguida de consulta aos documentos da obra (projeto da obra). Na seqüência foram realizadas observações diretas no local com a verificação dos fluxos e medições de distâncias e tempos gastos. Ao mesmo tempo foram fotografadas as operações realizadas e o local de trabalho. A partir dessas informações foi gerada a proposta de racionalização.

Análise do estudo de caso
Análise da situação atual – Transporte de argamassa: o primeiro ciclo observado foi o transporte de argamassa ensacada. Para transportar a argamassa até o local de utilização são percorridos no total 42,00 m, assim subdivididos: 8,80 m a distância percorrida no primeiro andar (lugar de estocagem da argamassa até o elevador), 24,50 m a distância percorrida no segundo andar (do elevador ao local de aplicação da argamassa) e 8,70 m é o percurso vertical realizado pelo elevador de obras. As distâncias horizontais podem ser observadas nas figuras 1 e 2. Para cada ciclo, são transportados dez sacos de argamassa, exigindo o esforço de três homens.

Na tabela 1 é possível observar o esforço em homens-metro e máquina-metro em cada fase do transporte da argamassa e o respectivo tempo gasto em segundos. As unidades selecionadas para esse ciclo, em segundos, foram: homens-metro e máquina-metro.

Considerando dados do Sinduscon-PR (2006), foi elaborada a estimativa de custos da mão-de-obra necessária para um ciclo do transporte de argamassa. Portanto, considerando o custo do Sinduscon-PR homem-hora para operário de R$ 6,56 (faixa salarial de R$ 2,36/h acrescido de 178,05% de encargos), chega-se a um valor de R$ 1,38 de custo total de mão-de-obra, referente a um ciclo para o transporte de argamassa (0,07 h x 3 homens x R$ 6,56/hora).

Análise da situação atual – Transporte de blocos de concreto: o segundo ciclo observado foi o transporte de blocos de concreto. Os blocos de concreto chegam à obra em paletes, contendo 180 unidades cada. No entanto, como o elevador de obras não suporta o peso de um palete completo, optou-se em transportar os blocos, por partes, em giricas contendo 50 unidades por vez. Nessa atividade, um operário transporta o palete até próximo ao elevador, pois já existem paredes que impedem aproximação direta. Enquanto isso dois outros operários carregam duas giricas com 50 blocos de concreto cada e fazem o transporte até o local de aplicação. Nas figuras 3 e 4 observa-se o percurso realizado para o transporte do palete do estoque até o elevador e do elevador até o local de aplicação. O transporte vertical por meio do elevador tem percurso de 8,70 m. As unidades selecionadas para esse ciclo, em segundos, foram: homens-metro e máquina-metro. O trajeto é praticamente o mesmo que foi realizado para transportar a argamassa, no entanto, é um pouco mais longo porque os blocos estão estocados na laje do primeiro piso de forma desordenada, além de existir uma área já com paredes nesse piso, sendo necessário fazer um desvio para contornar esse local, conforme se observa nas figuras 3 e 4.

Na tabela 2 observam-se as distâncias percorridas em cada etapa do transporte e o respectivo esforço humano em homens-metro e o tempo gasto em segundos. Durante a observação e registro dos tempos gastos, verificou-se um excesso de tempo de espera. Enquanto os dois operários faziam o carregamento de blocos na girica, transportavam e descarregavam os blocos até o local de uso, o operário que transportava o palete até o elevador permanecia esperando até que se esvaziasse completamente o palete e ele pudesse buscar outro. Esse tempo de espera representou 95% do tempo total da atividade e indica uma grande oportunidade de racionalização.

Considerando o mesmo custo do operário por hora, conforme o Sinduscon-PR (2006), de R$ 6,56/h, foi elaborada uma estimativa para o custo de mão-de-obra de um ciclo para transporte de blocos de concreto com utilização de giricas, com capacidade de carga de 50 unidades de blocos, até concluir o esvaziamento de um palete de 180 unidades. Dessa maneira, o custo estimado foi de R$ 5,69 (0,289 h x 3 x 6,56).

Proposta
Situação racionalizada – Transporte de argamassa: a proposta de racionalização baseou-se no que poderia ser imediatamente implementado na obra. Embora existam vários fatores que podem ser racionalizados, para esse estudo foi escolhido somente o fator transporte, para aplicação do método de racionalização. Para o transporte de argamassa, sugere-se a retirada de uma mesa e alguns outros materiais que estavam obstruindo a passagem. Dessa maneira, consegue-se uma redução da distância percorrida e de esforço humano. A figura 5 apresenta esquematicamente essa alteração.

A tabela 3 expõe os ganhos, evidenciando as melhorias em relação ao tempo.

A redução da distância reflete nos custos da mão-de-obra. Usando o mesmo modelo de cálculo anterior, somente alterando a distância conforme proposta de racionalização que alterou o tempo de ciclo para 0,06 h. Assim, o novo custo ficou (0,06 h x 3 homens x 6,56/hora) R$ 1,18. Em relação ao custo anterior obteve-se um ganho de 14,49%.

Situação racionalizada – Transporte de blocos de concreto: de forma similar à argamassa, para essa atividade foi utilizado o método de racionalização somente para o fator transporte. Para a racionalização do transporte dos blocos de concreto, sugere-se também redução de distância, conseguida com a desobstrução da passagem, além da retirada do operário ocioso. Outra medida de racionalização adotada seria a desobstrução do caminho com a desconexão do tubo usado para bombeamento do concreto e o deslocamento das cordoalhas. Dessa maneira, o operário não precisaria contornar pelos fundos da construção, mas fazia um percurso direto até o elevador. A figura 6 apresenta esquematicamente essa alteração.

A tabela 4 demonstra os ganhos dessas alterações em relação à redução da distância, esforço humano e tempo.

Seguindo essas alterações, o tempo de ciclo foi reduzido para 0,275 h, sendo necessários dois operários em vez de três operários. Assim, o novo custo de mão-de-obra ficou (0,275 x 2 homens x 6,56) R$ 3,61. Em relação ao custo anterior obteve-se um ganho de 36,56%. Em relação aos tubos de concreto que estavam obstruindo a passagem, foi proposta sua desmontagem e montagem apenas nos dias programados para concretagem. Quanto às cordoalhas que também estavam obstruindo a passagem, foi proposto o seu deslocamento, de modo a permitir a passagem dos operários pela frente da obra.

Conclusão
Para ambos os casos os ganhos relativos são significantes; transporte de sacos de argamassa pronta 14,49% e transporte de blocos de concreto 36,56%. Por outro lado o ganho absoluto depende das quantidades que serão utilizadas na obra. No caso da argamassa não existe um serviço de apropriação na obra de modo que aponte a quantidade de argamassa usada por serviço. Dessa forma não foi possível apurar o valor absoluto desse ciclo. Em relação aos blocos de concreto, como somente se usará esse produto para as paredes externas, se tornou mais fácil identificar a quantidade utilizada para esse serviço, que é relativamente pequena, em torno de 36 mil unidades ou 200 paletes. Com a quantidade reduzida de blocos, apesar de um ganho relativo muito alto, o ganho absoluto será de (5,69-3,61) 200 = R$ 416,00. O valor absoluto é baixo, em função da pequena quantidade de blocos a ser usada, no entanto o que se quis demonstrar é que sempre existe oportunidade de se eliminar perdas. O efeito resultante de uma distância além da ideal é bastante significativo, pois o custo é oriundo do produto entre a distância morta e o custo unitário da mão-de-obra. A dimensão da perda é em “homem-hora vezes distância”. Essas grandezas são diretamente proporcionais, portanto considerando que o valor da grandeza homem-hora é fixa o objetivo é pesquisar para que o incremento da distância tenda para zero. Adequando-se o posicionamento dos estoques dos materiais e retirando-se obstáculos, de modo a reduzir a distância entre esses e sua aplicação, isso num processo dinâmico ao longo de todo desenrolar da execução da obra. Verificam-se possibilidades de redução de custo referente ao produto: “homem-hora vezes distância”. Diante do demonstrado sugere-se que cada atividade de uma obra seja bastante analisada e estudada de forma temporal na busca de encontrar a distância ótima para cada caso.

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