As perspectivas (sombrias) para o crédito habitacional


(Abecip) – 24/08/15

De janeiro a julho deste ano a poupança apresentou sucessivas perdas de captação líquida, com redução do estoque de R$ 522,3 bilhões, em dezembro de 2014, para R$ 504,6 bilhões em julho de 2015. Isto indica a retração da oferta de crédito pelo SBPE, justamente porque a Caixa já se encontra muito alavancada e a regulamentação permite que os bancos privados apliquem apenas 38% (abril-15) dos recursos captados em poupança no financiamento habitacional nas condições do Sistema Financeiro da Habitação (SFH).

A alteração recente na regulamentação é pouco efetiva no sentido de ampliar a oferta de crédito pelo SFH e aponta para a piora nas suas condições. Esta Resolução (4410/2015) revogou a possibilidade de os bancos computarem no direcionamento:

1- certas aplicações em Fundos (FIIs, FIDCs) e outros papéis, porém com efeito nulo sobre a disponibilidade de recursos, pois já não eram utilizadas pelos agentes para cumprir exigibilidade;
Tendência é de exclusão de famílias que precisam de condições mais acessíveis de crédito para adquirir moradia;

2- os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) sem lastro no SFH e, ainda, o multiplicador que permitia aos bancos contabilizarem os CRIs/SFH adquiridos por 20% a mais do seu valor. Esta medida vai liberar R$ 14,9 bi nos bancos privados – R $11,4 bi em CRIs sem lastro no SFH e mais R$ 3,5 bi pelo efeito do fator multiplicador (abril-15) – porém apenas no médio e longo prazos, já que os CRIs em carteira podem permanecer computados até seus vencimentos.

Já os CRIs com lastro em financiamentos pelo SFH continuam valendo para cumprimento da exigibilidade (os bancos privados tinham R$ 17,6 bi em carteira, em abril). A manutenção do cômputo desses CRIs permite que os bancos utilizem recursos captados em poupança não para a concessão direta de crédito, mas para a compra de recebíveis de créditos concedidos por outros bancos ou incorporadoras. Um paradoxo, já que a poupança é mantida alheia às altas da Selic e segue captando a apenas 6% mais TR ao ano, o que possibilita a oferta de crédito habitacional relativamente barato. Perde-se assim, a oportunidade criada pelo SBPE de atender famílias que não conseguem contrair crédito a taxas de juros mais elevadas.

Os bancos privados nacionais não têm tanto apetite para o crédito habitacional e não pretendem ampliar a carteira; pelo contrário, a tendência é de redução. Na resolução 4410, ao elevar o compulsório em 4,5% (transferindo parte do antes obrigatoriamente encarteirado em títulos públicos) e, ao mesmo tempo, conceder redução desses 4,5% por meio da dedução de parte do saldo dos financiamentos habitacionais, o Banco Central dá aos bancos privados a escolha entre aumentar sua carteira de crédito habitacional ou comprar CRIs com lastro SFH para recompor o direcionamento. Estamos falando de cerca de R$ 11 bilhões. Caso não sejam utilizados de uma ou outra forma, o BC os recolhe a um custo bem mais barato que Selic.

O que se vê, já, é a retração, o encarecimento e a elitização do crédito habitacional no Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo. Tudo aponta para o aumento da pressão sobre o FGTS, que já sofreu ampliação do orçamento do ProCotista para vir ao socorro da redução dos financiamentos pela poupança.

O FGTS também apresenta contradições e perdas de oportunidade. Ao longo da última década, restrito a rendas de até R$ 5,4 mil, o FGTS vinha expandindo o financiamento downmarket, permitindo o acesso a famílias antes excluídas. As aplicações em financiamento habitacional aumentaram de 29% dos ativos em dezembro de 2008 para 43% em dezembro de 2013. Ainda há, portanto, espaço para crescer sua carteira de crédito habitacional e para baixar as taxas de juros cobradas, dado o seu baixo custo de captação (3% a.a. +TR).

O conjunto de aplicações do Fundo – que compreende, além dos empréstimos, títulos públicos, aplicações financeiras e o FIFGTS – proporciona um mix de rentabilidade, cuja diferença em relação ao rendimento pago aos cotistas vem construindo um patrimônio líquido bilionário, de R$ 64,6 bi (dezembro de 2013), que, segundo matéria recente do Valor, saltou para R$ 77,5 bilhões em 2014 (graças ao lucro líquido de R$ 12,9 bilhões no ano). O acúmulo de PL não faz sentido em um Fundo com as características e o papel do FGTS.

A tendência do FGTS de investir crescentemente em Fundos Imobiliários, debêntures, CRIs e os empréstimos via FIFGTS, que envolvem maior risco que as aplicações em títulos públicos, só se justifica se oferecerem retorno que compense a elevação do risco. Maiores rentabilidades em parte das aplicações deveriam permitir empréstimos habitacionais a taxas de juros menores, mais próximas do custo de captação, e/ou a elevação da rentabilidade dos depósitos, já que a produção de lucro e o acúmulo de PL não devem constituir objetivos em si.

Ainda, a taxa de administração paga anualmente ao seu agente operador, a Caixa, de 1% dos ativos (R$ 3,5 bilhões em 2013), tampouco encontra justificativa neste que é um Fundo compulsório, de grande porte, com baixa exigência de rentabilidade e função social. Esta alta remuneração eleva as despesas operacionais, pressionando as margens e dificultando a concessão de crédito a taxas de juros menores.

A diversificação de aplicações sem a compensação do risco no retorno, a busca pela produção de margens elevadas e aumento de PL e, ainda, a alta remuneração do agente operador que detém monopólio sobre o Fundo são estratégias de gestão que precisam ser revistas e incorporadas na discussão sobre o aumento da rentabilidade para os trabalhadores. O debate centrado exclusivamente no dilema do custo dos financiamentos habitacionais, que não é tão baixo, a partir de 7,16% mais TR, está equivocado.

Não obstante, considerando a estrutura de distribuição de renda e conjuntura econômica atual, a discussão sobre a alteração da correção não pode negligenciar o papel potencial do FGTS para atender famílias que não conseguem financiamento a juros mais elevados. O FGTS é uma instituição da sociedade brasileira, criada com o duplo objetivo de instituir pecúlio para o trabalhador e fomentar a habitação social.

Esta análise indica, infelizmente, que a tendência é de exclusão das famílias que dependem de condições mais acessíveis de crédito para adquirir sua moradia. É hora de centrar os debates sobre o real uso que fazemos da oportunidade criada pelo SFH e suas fontes, que juntas somam quase R$ 1 trilhão, de forma a equacionar os problemas habitacionais do país, que ainda ostenta um déficit superior a 6 milhões de unidades.

Publicidade

Deixe um comentário

Faça o login usando um destes métodos para comentar:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.