(Gazeta do Povo) – 28/08/15
Nove das 27 emendas apresentadas ao novo Plano Diretor estão em linha com o planejamento da prefeitura para desestimular grandes deslocamentos pela cidade
Uma cidade na qual o cidadão possa optar por deixar o carro em casa, ou em algum ponto próximo dela durante a semana. Ir trabalhar a pé, de bicicleta ou de transporte público confortavelmente e sem risco de se atrasar. E ainda por cima poder andar no centro em vias de trânsito calmo e sem grandes engarrafamentos.
Esse é o cenário imaginado pelo novo Plano Diretor de Curitiba, que recebeu 27 emendas até o momento nas discussões ocorridas na Câmara Municipal – nove delas para melhorar ou diminuir os deslocamentos na cidade.
O texto está sendo discutido pelos vereadores desde o início de março. De lá para cá, foram realizadas cinco oficinas temáticas. Agora, ele passa pela Comissão de Urbanismo, Obras Públicas e Tecnologias de Informação, e deve receber emendas até o próximo dia 10 de setembro. Na semana seguinte, a Câmara realizará uma nova audiência pública que antecederá a votação do projeto em dois turnos, antes de ele seguir para sanção do prefeito.
As emendas apresentadas pelos vereadores na área de mobilidade pretendem criar o bilhete único com integração temporal na cidade, dar um prazo de três anos para formação de uma rede de compartilhamento de bicicletas e incentivar a construção de estacionamentos próximos aos terminais de ônibus, com a possibilidade de o usuário pagar com o cartão transporte e obter desconto caso se integre ao transporte público.
Há também uma proposta para impulsionar novas áreas comerciais na cidade, permitindo a construção de um andar a mais além do permitido pelo zoneamento, desde que metade do pavimento térreo atenda ao comércio. Essa proposta vai ao encontro da ideia do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc) de o cidadão poder escolher não fazer grandes deslocamentos. O instituto quer adensar e verticalizar a cidade ao longo de novos eixos estruturantes, com ocupações nos moldes da Avenida Sete de Setembro.
Apesar de o Ippuc ainda não ter divulgado quais serão essas vias, a Gazeta do Povo localizou algumas das mais prováveis em reportagem publicada em julho passado.
Outra emenda deve diminuir a quantidade de carros no centro, mas não sem causar polêmica. Os vereadores propõem a descentralização da Rodoferroviária de Curitiba – algo apontado como positivo por especialistas em mobilidade urbana e tendência nas grandes cidades. Mas, sob o pretexto da realização da Copa do Mundo, a cidade acabou de investir mais de R$ 47 milhões em uma reforma no local e em seus acessos.
Para o vereador Jony Stica, o Plano Diretor é a possibilidade de Curitiba voltar a inovar antes que o caos se instale. “A cidade tem um acréscimo de 50 mil carros por ano e isso vai gerando congestionamentos. Ou Curitiba mantém uma política de inovação que era característica do passado ou a cidade vai ficar caótica. E o plano diretor vem para resolver isso.”
Aluguel de bike vira emenda no Plano Diretor
O Plano Diretor é o instrumento que planeja a cidade para os próximos dez anos. Pode parecer estranho uma emenda propor o aluguel de bicicletas. Mas o histórico de Curitiba mostra que a proposta tem lá o seu valor. Curitiba nunca teve um sistema consolidado. A última tentativa, iniciada ainda na gestão Luciano Ducci, concluiu a licitação de três bicicletários que estavam abandonados. Mas também não deu certo. Os espaços foram sendo desativados ao longo dos últimos anos devido a um desacordo comercial entre a concessionária e a prefeitura.
Para o vereador Jonny Stica, autor da emenda, os projetos não prosperaram porque o sistema não foi pensado em rede. “Nunca houve uma política de indução à bicicleta. Mobilidade só funciona se tiver rede. Em Paris, a cada 300 metros há um ponto. Somente assim a iniciativa privada topa irá participar, diminuindo os riscos de investir em um projeto que possa falir.”
Pela emenda, seriam instalados pontos de bike sharing em um sistema compartilhado nos terminais de ônibus, principais pontos turísticos e locais de interesse. O prazo para implantação é de três anos após a promulgação da lei.
Jovens brasileiros ainda não aderiram ao ‘kuruma banare’
Tendência entre jovens de países mais desenvolvidos, o ‘kuruma banare’ – expressão em japonês que define a ‘desmotorização’ – ainda está longe de se massificar no Brasil. O país viu sua frota de veículos praticamente dobrar entre 2005 e 2015 – chegando a 49 milhões de automóveis particulares em julho deste ano.
Em Curitiba, nos últimos dez anos, a frota cresceu 63% — ultrapassando a marca de 1 milhão de automóveis. Proporcionalmente, há mais carros por habitantes na capital paranaense do que em São Paulo – onde há 5,2 milhões de automóveis para 11,8 milhões de pessoas. Reportagem publicada em dezembro de 2012 pela revista Super Interessante já mostrava a tendência de desmotorização dos jovens de países europeus, asiáticos e até dos Estados Unidos, onde a indústria automobilística sempre foi das mais respeitadas.
De acordo com a publicação, de 2001 a 2009, os jovens dirigiram 23% menos, andaram 24% a mais de bicicleta, 16% a pé e 40% de transporte público. A revista conclui que a crise econômica global contribuiu para isso, mas também há a percepção de que os jovens querem viver mais experiências, como viagens e shows, do que adquirir bens materiais.