(Estado de S.Paulo) – 09/09/18
O mercado imobiliário lançou em São Paulo, de 2014 até o mês de junho, ao menos 120 empreendimentos com 11.788 apartamentos sem vagas de garagem. Os números foram apurados pelo Sindicato da Habitação (Secovi-SP) a pedido do Estado. O Plano Diretor Estratégico de São Paulo (PDE) é o indutor desse tipo de imóvel.
Aprovado em agosto de 2014, o objetivo do PDE em vigor é promover o adensamento populacional nos eixos estruturantes da cidade, ou seja, em vias com acesso a estações de metrô, corredores de ônibus e ferrovias, a fim de desestimular o uso do carro. “Essa foi a grande sacada que levou os empreendimentos a terem um número maior de unidades sem vagas”, diz o coordenador do Comitê de Tecnologia e Qualidade do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (SindusCon-SP), Renato Genioli.
Enquanto na lei de zoneamento anterior havia a exigência de que os empreendimentos residenciais tivessem no mínimo uma vaga de garagem por apartamento, o PDE atual incentiva que cada unidade, independentemente de seu tamanho, tenha uma vaga, no máximo. As vagas extras são permitidas, desde que a incorporadora pague uma taxa extra (chamada de outorga onerosa) para a Prefeitura.
A lei de zoneamento de 2016 detalhou ainda mais a questão, permitindo uma vaga de garagem a cada 60 m² de área construída. A orientação favoreceu os empreendimentos que mesclam unidades com e sem garagem, pois enquanto as unidades maiores podem ganhar mais de uma vaga para carro, os apartamentos menores ficam sem nenhuma. Assim, por exemplo, a incorporadora poderia fazer um apartamento de 100 m² com duas vagas de garagem e uma unidade compacta, de 20 m², sem vaga.
“É uma tentativa de otimizar uma restrição. Esse mix de produto é induzido pelo próprio Plano Diretor”, diz o presidente do conselho consultivo do Secovi-SP, Cláudio Bernardes.
Para o gerente da Mac Construtora e Incorporadora, Ricardo Pajero, os dados de lançamentos de unidades sem garagem refletem uma tendência. “Hoje, as pessoas buscam mobilidade, compartilham as coisas e não se apegam tanto ao carro.”
A analista Marcela Fernandes, de 28 anos, adquiriu um imóvel de 26 m², sem vaga, no empreendimento Loadd, colado ao metrô São Judas. A jovem possui um automóvel, mas pensa em vendê-lo. “Pretendo usar mais o transporte público. Prefiro não ter vaga, assim o IPTU acaba ficando mais barato.”
Para a corretora de imóveis Elisabete Martinez, de 57 anos, que comprou um apartamento no mesmo prédio, o uso do carro está com os dias contados. “Você sai de casa, pega trânsito e ainda é surpreendido por multas. Além disso, há o IPVA, o seguro, o combustível e a manutenção. Por isso, não dirigir é uma tendência”, afirma.
Levantamento realizado pela empresa Ipsos, com base em dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), revela que a emissão da carteira de motorista para condutores de 18 anos a 21 anos caiu 20,6% em três anos. Em 2017, foram 939 mil habilitações para essa faixa etária, contra quase 1,2 milhão em 2014.
Além de serem compactos – a área média de um apartamento sem vaga é de 31,5 m² –, essas unidades estão localizadas em zonas de fácil acesso ao transporte, com foco na região central. Todos os 17 distritos que, segundo o Secovi-SP, lançaram imóveis com essa característica nos últimos quatro anos estão totalmente ou parcialmente localizados no centro expandido da capital paulista.
“A localização passa a ser ponto fundamental para a aceitação de um apartamento sem vaga”, diz o diretor comercial da incorporadora You,Inc., Rafael Mentor. Ele afirma que, assim como as estações de metrô, hospitais, centros comerciais e universidades também são chamarizes para este tipo de produto.
Nivia de Souza, 32 anos, é analista de conteúdo e adquiriu um apartamento de 32 m², sem vaga, ao lado da estação Bresser- Mooca. Para ela, a localização foi um fator decisivo na compra. “Meu plano é não ter carro, não só pelo custo que isso me traria, mas também pensando em São Paulo. É um ato político que posso ter diante dos problemas da cidade.”
Custo. As unidades sem vaga são mais baratas, uma vez que o custo de obra é mais baixo e isso, consequentemente, se reflete no valor final. “Com menos área total, o preço de venda é menor”, diz Genioli. De acordo com Bernardes, o custo de uma vaga tende a ter um peso ainda maior entre os compactos. “Digamos que uma vaga custe R$ 50 mil. Em um apartamento de R$ 1 milhão, o custo não é tão expressivo, mas em um imóvel de R$ 200 mil, representa um acréscimo de 25% no valor total.”
Imóveis sem vaga também costumam atrair, além daqueles que farão uso do imóvel, investidores. Quem compra para morar, geralmente, é jovem, mas também há divorciados, idosos que moram sozinhos e executivos de outros locais e que usam o imóvel só durante a semana. “São pessoas práticas, que precisam de mobilidade plena”, afirma Pajero.
O mercado absorve o que está disponível. A necessidade e as limitações de cada um, em determinado momento, definem, dentro do que está disponível, sua demanda.
Observa-se, no entanto, despreocupação com certa urbanidade e, mesmo, habitabilidade.
Vemos projetos, principalmente quando se soma os atrativos ou permissividades dadas pela lei de zoneamento com as demais advindas de zoneamento de interesse social (ZEIs), sem resultados que atenuem a falta de aeração e insolação. Temos visto prédios colados ao vizinho pré existente. Sem recuos. Varandas que se transformam em cozinha.
Chega-se a imaginar futuros casos como os emblemáticos “São Vito” e “Mercúrio”.