Nova regra derruba lucro e patrimônio de construtora


(Valor Econômico) – 05/05/10

Marcello Milman, analista do Credit Suisse: alterações não devem ter efeito no valor das companhias, uma vez que o fluxo de caixa será o mesmo

Já faz um tempo que os investidores estão receosos sobre o impacto do novo padrão contábil sobre os resultados das incorporadoras imobiliárias brasileiras e até agora nenhuma empresa divulgou o que vai mudar no seu balanço a partir de 2010. Elas adiam a divulgação por temer a reação do mercado e também porque ainda tentam reverter a mudança na contabilidade.

Se antecipando às empresas, analistas do Credit Suisse fizeram os cálculos e a notícia é que os lucros devem cair em todo o setor – e bastante.

Tendo como base a expectativa do banco para os números deste ano, a baixa média no ganho líquido será de 43%, enquanto o patrimônio líquido das empresas deve cair 25%. Há dispersão nas estimativas, mas há piora em todos os casos.

Considerando a regra contábil que está em vigor, o estudo do Credit Suisse aponta que a Brookfield seria a mais afetada em termos de resultado em 2010, com baixa de 84% no ganho líquido. Entre as sete empresas analisadas, a Rossi terá o menor impacto no lucro, que mesmo assim deve ser 17% menor.

Em termos de patrimônio líquido (PL) o estudo foi mais abrangente e envolveu dez companhias. Por esse critério, o maior impacto será na Cyrela, com uma baixa de 33% no valor contábil da companhia, e menor na Inpar, que terá queda de 14% no PL.

Como consequência dessas mudanças, os múltiplos usados por analistas para verificar se uma empresa está cara ou barata na Bolsa devem subir, o que pode assustar alguns investidores.

Entretanto, na visão de Marcello Milman e Marcelo Telles, analistas do Credit Suisse, as mudanças contábeis não deveriam mudar o valor de mercado das companhias, uma vez que o fluxo de caixa não será alterado.

Segundo o estudo, a relação média entre o valor de mercado e o patrimônio líquido deve subir de um índice de 1,5 para 2,0. Já a razão entre o preço da ação na bolsa e o lucro por ação deve saltar de 10,3 vezes para 18,4 vezes.

A principal mudança contábil que afetará as construtoras refere-se ao critério para reconhecimento da receita. Até agora, as empresas registram a receita levando em conta o percentual realizado da obra (chamado de método POC) – ainda que nem todo o caixa seja recebido.

No modelo usado no IFRS, que passa a ser obrigatório a partir de 2010, as incorporadoras reconhecem a receita com a venda de um imóvel toda de uma vez, no momento da entrega das chaves. Esse é a regra mesmo que elas tenham recebido uma parcela importante deste valor durante as obras.

Segundo Milman, os efeitos são maiores nas empresas que cresceram muito nos últimos anos, naquelas com margem maior e nas incorporadoras com projetos de ciclo mais longo.

Mas o fato é que todas as empresas possuem ao menos um dessas características, em especial o crescimento acelerado. No ano passado, por exemplo, a receita das companhias abertas do setor avançou 44%.

Do lado empresarial, enquanto as incorporadoras se articulam nos bastidores para tentar evitar a mudança contábil, também pensam em criar instrumentos paralelos para dar indicações aos investidores do que está acontecendo. “O investidor não quer esperar três anos para saber se a empresa chegou ao céu ou ao inferno”, afirma uma fonte do setor.

Outro executivo de incorporadora aponta uma consequência adicional que considera negativa com a implantação do IRFS, ligada às cláusulas de limites de alavancagem previstas nas emissões de debêntures. Com a mudança do patrimônio líquido, a relação dívida líquida sobre patrimônio líquido – usada como parâmero nos contratos – também se altera. As debêntures representam 25% do endividamento total das empresas e somaram R$ 6,4 bilhões em 2009.

Impacto das mudanças contábeis

Alterações ainda podem ser evitadas
O Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) se reúne hoje, em São Paulo, com membros do Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade (Iasb, na sigla em inglês). Um dos temas da pauta da reunião técnica está justamente ligado à regra contábil das incorporadoras.

Um grupo de trabalho coordenado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) analisa o caso das incorporadoras desde o início do ano e encontrou argumentos técnicos favoráveis à manutenção do critério antigo de reconhecimento de receita.

No encontro de hoje, o CPC pretende apresentar esses argumentos ao Iasb, para que o órgão avalie se os contratos de compra e venda de imóveis no Brasil se enquadram como venda de um bem (que exige o reconhecimento da receita apenas na entrega das chaves) ou como contrato de construção (que prevê o reconhecimento da receita ao longo da obra).

Entre os argumentos favoráveis à regra antiga estão o de que a parcela paga pelo comprador durante as obras não é depositada em uma conta separada, como ocorre em outros países, e o dinheiro é efetivamente usado pela incorporadora.

Além disso, o contrato é visto como um compromisso firme de compra e venda, e não apenas como uma reserva de imóvel.

Segundo o professor Eliseu Martins, especialista em contabilidade e ex-diretor da CVM, a norma internacional diz que se os riscos e benefícios são transferidos ao comprador é possível enquadrar o contrato como de construção e usar a regra antiga.

No entender dele, a jurisprudência jurídica tem firmado fortemente que, se houver um problema durante a construção, o imóvel é do comprador.

Eliseu argumenta ainda que um único comprador não tem poder para alterar o projeto (o que seria uma evidência da propriedade), mas que o conjunto de compradores pode.

Representadas pela Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca) no CPC, as incorporadoras começaram a montar o que chamam de “estratégia de defesa” no início deste ano. E a visão é que as articulações estão dando algum resultado. “A chance de não implantarmos o IFRS é pequena, na casa de uns 20%, mas já foi nula”, afirma um executivo do setor.

Consultada sobre o assunto, a superintendência de normas contábeis da CVM disse, em nota, que o estudo da regra está em curso e que, portanto, ainda não pode “emitir uma opinião ou orientação que seja levada para debate no âmbito do CPC ou da própria CVM”.

Diante disso, o órgão regulador diz que sua posição “é aquela que está nos pronunciamentos aprovados e referendados que estão plenamente alinhados com as normas internacionais”.

A autarquia destaca ainda que “não há possibilidade de adoção de normas, por parte da CVM, diferentes daquelas previstas pelo Iasb e pelo CPC”.

Do ponto de vista do mercado, Marcello Milman, analista do Credit Suisse, diz que os argumentos para se manter a regra antiga são mais evidentes, principalmente nos contratos de baixa renda, em que a Caixa Econômica Federal paga quase todo o valor do imóvel durante o período de obras. Dessa forma, o reconhecimento da receita na regra antiga se aproximaria do fluxo de caixa do projeto.

Nas vendas do segmento de médio e alto padrão, o comprador costuma pagar de 20% a 30% do valor do imóvel no período de construção, enquanto a receita e os custos são todos reconhecidos.

O risco nesse caso, segundo Milman, é que, com base num custo estimado, se reconheça uma margem maior que a efetiva.

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