(O Globo) – 09/12/14
A economia estagnada, os juros em alta, sinônimo de risco maior de inadimplência, reforçaram uma nova estratégia dos bancos na concessão de crédito. A ordem, que já vem de algum tempo, agora vale mais do que nunca: concentrar os novos financiamentos em linhas de menor risco, como o crédito consignado e o imobiliário. Não faltam motivos para a aversão ao risco. A divulgação do PIB (conjunto de bens e serviços produzidos no país) do terceiro trimestre mostrou que o consumo das famílias brasileiras ficou parado, com alta de só 0,1%, no menor avanço após 11 anos seguidos de alta.
O quadro agora é bem diferente do verificado pouco mais de dois anos atrás, quando o crédito destinado ao consumo ainda era abundante, e as condições, irresistíveis: além de juros próximos a 1% ao mês, podia-se financiar um veículo a prazos de até 70 meses. Não à toa, as chamadas linhas para compra de veículos foram as que mais perdas trouxeram com a disparada da inadimplência.
O resultado foi que, entre dezembro de 2011 e outubro deste ano, segundo dados do Banco Central (BC), o total de financiamentos de carros cresceu apenas 3,3%, para R$ 183,6 bilhões, enquanto que o saldo da carteira de crédito consignado (que tem a garantia do desconto das prestações diretamente do contracheque do tomador) deu um salto de 55,6%, alcançando R$ 248 bilhões. Nesse mesmo período, o crédito pessoal não consignado avançou bem menos: 30%. No caso do financiamento imobiliário, o saldo dos empréstimos mais que dobrou entre dezembro de 2011 e outubro passado: subiu de R$ 189,3 bilhões para R$ 416,6 bilhões.
Em outubro, a liberação de crédito consignado nos bancos para servidores públicos e pensionistas do INSS deu um salto, depois que os prazos de financiamento foram estendidos de 60 meses para 96 meses (no caso dos servidores) e de 60 meses para 72 meses (pensionistas). O crescimento da oferta foi de 47% e 58%, respectivamente.
Com a alta da inadimplência a partir do final de 2011, os bancos passaram a investir num mix menos arriscado de crédito, priorizando linhas conservadoras, como o consignado e o imobiliário. As taxas de juros cobradas dos clientes são mais baixas nessas linhas de crédito, mas o risco de perdas com calotes também é menor diz João Augusto Salles, analista de bancos da Consultoria Lopes Filho & Associados.
No caso dos financiamentos de veículos, nos 12 meses encerrados em outubro, houve uma queda de 4,9% no total financiado. Mesmo nos bancos oficiais, o quadro virou. No Banco do Brasil, os financiamentos de veículos encolheram 12,5% nos 12 meses até setembro. O Itaú, em 2012, era o líder em crédito para aquisição de veículos, com R$ 60 bilhões em créditos concedidos. No terceiro trimestre, essa carteira era de R$ 31 bilhões. Já a concessão de empréstimos consignados avançou 77,1% no Itaú em 12 meses, enquanto o financiamento imobiliário cresceu 22,4% no período. O Bradesco também mostrou um crescimento expressivo de 33% na concessão de crédito imobiliário em 12 meses, bem acima da expansão de 7,8% de sua carteira total de crédito.
Em ambientes de incertezas e de aumento do risco de crédito, os bancos sempre passam a ser mais seletivos e restritivos de forma a reduzir a inadimplência futura. Este movimento que os bancos fizeram lá atrás, tomando medidas mais seletivas de crédito, possibilitou termos atualmente índices de inadimplência estáveis diz Miguel Ribeiro de Oliveira, diretor da Anefac.
Foi o que atestou William do Rosário, assistente de importação e exportação, que está procurando ficar em dias com as dívidas para conseguir aprovação de crédito no banco onde tem conta corrente. Na semana passada, ele foi a uma financeira no centro do Rio, para quitar algumas delas, depois de ter sido rastreado quando buscava um empréstimo. William pretende começar o quanto antes a pesquisar quais bancos tem as melhores taxas de juros para um empréstimo.
O banco está filtrando mais e com mais burocracia. Eu quero buscar outros bancos para saber qual tem o menor juro porque nas financeiras eles são mais altos explicou ele.
Inadimplência confortável – Essa estratégia mais conservadora vem favorecendo o resultado dos bancos, que estão reduzindo provisões para empréstimos duvidosos, observa o analista de bancos do BB Investimentos, Carlos Daltozo. No Santander, as despesas com provisão encolheram 16,4%, nos últimos 12 meses encerrados em setembro. E o lucro líquido dos três principais bancos privados do país (Bradesco, Itaú Unibanco e Santander) subiu mais de 25% entre janeiro e setembro, em relação ao mesmo período do ano passado, chegando a R$ 27 bilhões.
Com essa guinada conservadora no crédito, a inadimplência nessas instituições se mantém em patamar confortável, oscilando de 3,2% a 3,7%. Mesmo tendo juros mais baixos do que outras operações de crédito, houve um incremento do crédito imobiliário em 2014. Segundo o BC, os juros cobrados para financiamento da casa própria com taxas reguladas, que inclui os financiamentos com juros delimitados por lei, subiram a 8,7% ao ano em outubro, frente aos 7,6% cobrados no mesmo mês do ano passado. Essa elevação em operações com risco mais baixo também ajudou a inflar os ganhos dos bancos.
Para Daltozo, a maior seletividade dos bancos na hora de ofertar crédito impacta negativamente o ritmo de crescimento da economia, mas ele lembra que as famílias brasileiras estão mais endividadas e também reduziram a procura por empréstimos. O endividamento das famílias atualmente está em 46% da renda frente aos 38% de 2010. Daltozo observa que entre a parcela dos brasileiros que ainda se endividam, muitos estão deixando de comprar bens de consumo, como carro e eletroeletrônicos, para investir na casa própria.