(Valor Econômico) – 09/05/16
A Caixa Econômica Federal, que divulga hoje um lucro líquido de R$ 838 milhões em suas demonstrações financeiras do primeiro trimestre, rebate especulações de que tenha algum esqueleto escondido nos dados contábeis ou que vá necessitar um aporte de capital para reequilibrar as suas contas.
Como ocorreu com os seus pares, houve uma queda no lucro. No caso do banco federal, o recuo foi de 46%, comparado ao primeiro trimestre de 2015 – nos três grandes privados, Itaú, Bradesco e Santander, foi 6% menor em média.
Na Caixa, o desempenho foi causado, em parte, pelo reforço de R$ 700 milhões nas provisões, incluindo o setor de óleo e gás, medida também vista nos concorrentes privados. Sem essa despesa, o resultado ficaria em linha com o de um ano antes. A expectativa é que seja mantido o patamar de lucro de 2015, de R$ 7,1 bilhões.
O resultado operacional passou de R$ 303 milhões negativos no quarto trimestre de 2015 para positivo em R$ 385 milhões no primeiro trimestre de 2016. Mas é menor que os R$ 806 milhões de igual período de 2015.
“Nossa contabilidade é transparente e não há nada escondido”, disse ao Valor o vice-presidente de finanças da Caixa, Marcio Percival. “O capital é suficiente para sustentar a expansão do crédito projetada para este e o próximo ano sem a necessidade de aportes.”
O banco registrou uma leve queda na inadimplência, que passou de 3,55% para 3,51% entre dezembro de 2015 e março de 2016. O sistema bancário como um todo teve um discreto aumento nesse indicador, de 3,4% para 3,5%, segundo dados do BC.
A inadimplência em habitação aumentou de 2,26% para 2,33%. Já na carteira comercial, onde os bancos se expõem a mais riscos, recuou de 6,64% para 6,60%. Nessa carteira, houve uma queda representativa na inadimplência da pessoa física, de 7,24% para 6,42%. O índice nas operações com empresas subiu, de 5,97% para 6,81%, refletindo sobretudo operações com micro e pequenas empresas.
Reportagem publicada pelo Valor há dez dias, com base em dados do BC, mostra que o percentual de empréstimos da Caixa com atrasos entre 15 dias e 90 dias costuma superar o dos concorrentes, e vem crescendo de forma mais acelerada. No consignado, o índice estava em 4%, enquanto que a média entre os quatro outros grandes bancos é de 0,92%.
Os atrasos de 15 a 90 dias são o que o BC chama de pré-inadimplência, um indicador de possível tendência de aumento da inadimplência propriamente dita, que inclui operações com atraso superior a 90 dias.
Percival lembra que, embora esse seja um sinal amarelo, “não necessariamente significa que a inadimplência vá crescer no momento seguinte”. Ele lembra que, no primeiro trimestre, a inadimplência caiu um pouco, não confirmando o que apontava o indicador de pré-inadimplência.
Segundo o vice-presidente da Caixa, o crescimento do índice de atrasos de 15 a 90 dias no consignado reflete, em parte, deficiências no controle operacional, que está sendo aperfeiçoado. Um exemplo é o atraso no envio de informações sobre desconto das parcelas de crédito por alguns órgãos públicos, o que sensibiliza o indicador.
O banco oficial também vem aprimorando, desde fins de 2014, os esforços de cobrança, o que já estaria se refletindo de forma favorável na inadimplência. Uma parte dessa estratégia foi a venda de carteiras inadimplentes para empresas especializadas em cobrança, permitindo que a Caixa se concentre nas operações com maiores chances de receber.
O banco fez cessões de crédito que somam R$ 2,678 bilhões no primeiro trimestre, dos quais apenas R$ 664 milhões estavam baixados como prejuízo. Essas operações melhoram o índice de inadimplência, dando a impressão de que a situação da carteira é mais positiva. Mas Percival pondera que esse efeito é limitado. Sem a venda da carteira, afirma, o índice de inadimplência da Caixa estaria em 3,54%, em vez dos 3,51% apurados.
A carteira de crédito da Caixa cresceu bem acima da média de mercado entre 2008 e 2014, com percentuais tão altos como 40%. Isso foi fruto da orientação para os bancos federais funcionarem como instrumento anticíclico, determinação da presidente Dilma Rousseff para cortarem juros e injetar competição no sistema. Houve estratégia da própria instituição para ganhar fatias de mercado.
Muitos especialistas têm alertado que, depois de crescer de forma tão acelerada, a Caixa estaria mais suscetível ao aumento na inadimplência do que os demais grandes bancos, agora que a economia atravessa um período de recessão e desemprego.
Alguns têm levantado suspeitas publicamente sobre a situação financeira da Caixa, sustentando que a contabilidade é pouco transparente e que a instituição é candidata a receber um aporte de capital num eventual governo Michel Temer. “Seria bom apontar de maneira fundamentada quais são exatamente os problemas para tomarmos conhecimento. É até responsabilidade agir dessa forma”, diz Percival.
Segundo ele, essa foi uma realidade nos anos 1990, quando o balanço do banco não fechava. De lá para cá, afirma, os controles internos foram reforçados, com a criação de comitês e a definição de alçadas. Além de ter os balanços auditados e se submeter à supervisão do BC como qualquer banco, a Caixa responde a outros controles.
Percival afirma que, se a economia entrar numa espiral ainda mais recessiva, todos os bancos estão sujeitos ao aumento da inadimplência, não apenas a Caixa. “Se a economia não sofrer novas pioras, nossa inadimplência vai oscilar entre 3,5% e 3,8%.”
Ele pondera que o período de forte expansão da Caixa terminou. No fim de 2014, antecipando o cenário econômico adverso, o banco apertou os critérios para a concessão de crédito e aumentou os juros. “Hoje, nossas taxas já não são tão menores que as de mercado.”
Segundo Percival, a carteira de crédito contratada no período de bonança, até 2014, já maturou, e não houve uma elevação preocupante da inadimplência. O prazo médio das operações de crédito com pessoas físicas é de um ano, e, no caso das empresas, de um ano e meio. Em geral, os créditos inadimplentes aparecem já nos primeiros seis meses.
Isso significa, afirma, que a carteira comercial da Caixa hoje carrega operações contratadas em 2015, com uma régua mais rigorosa. O portfólio com micro e pequenas empresas teve retração de 1% entre março de 2015 e de 2016. A carteira de crédito ampliada da Caixa cresceu 9,2% entre o primeiro trimestre de 2015 e de 2016. O crédito comercial teve expansão de 3%, e o de habitação, de 9,8%.
Segundo Percival, 81,5% da carteira de crédito da Caixa estão no segmentos de menor risco, como habitação (60,2%), infraestrutura (10,2%), crédito consignado (9,2%) e grandes empresas (1,3%). No segmento imobiliário, os créditos problemáticos se revelam logo no primeiro ano. Quanto mais o tempo passa, menor a dívida em relação ao valor do imóvel financiado, que serve como garantia.
Esse foi um dos fatores que permitiram que o crédito classificado como de melhor qualidade, com a avaliação “AA”, subisse 27% entre 2014 e 2015, correspondendo a 49% da carteira. Na média do mercado, afirma, esse percentual está em 32%.
O índice de Basileia da Caixa recuou de 14,43% para 13,69% entre dezembro e março, refletindo o cronograma de Basileia 3, de regras internacionais de capitalização dos bancos. Apesar da queda, Percival diz que o volume de capital é suficiente para manter o crescimento de cerca de R$ 130 bilhões do crédito, o que representa mais ou menos a taxa de expansão entre 8% e 9% projetada para 2016 e 2017. Mesmo se as regras de Basileia 3 previstas para os próximos anos fossem antecipadas, diz ele, o capital ficaria em 12,5%, acima do mínimo legal requerido.
Segundo ele, um eventual aporte de recursos em 2017 depende dos planos para o banco nos anos seguintes, incluindo crescimento planejado. Há várias hipóteses para reforçar o capital sem necessariamente pedir ao Tesouro. Uma delas é rever a política de distribuição de dividendos. Entre 2011 e 2014, a Caixa distribuiu 100% de seus lucros ao controlador e, para este ano, distribuirá 50%. Outros bancos distribuem 40% ou menos.
A Caixa também está estruturando a abertura de capital da Caixa Seguridade e a criação da Lotex, para operar no setor de loterias. De acordo com o modelo das operações, o capital do banco pode ganhar reforço.
Segundo Percival, outro caminho que vem sendo executado é melhorar os resultados. Os gastos com pessoal cresceram só 1,6% entre março de 2015 e de 2016, em parte refletindo um plano de demissões voluntárias. Enquanto isso, as receitas com prestação de serviço aumentaram 8,3%, resultado do maior volume de operações com cartões, seguros e previdência. “Um desafio é encontrar novas formas de captações para financiar a habitação”, diz.