(Gazeta do Povo) – 15/06/09
Construtoras dão prioridade a projetos com foco em famílias cuja renda não ultrapassa 10 salários mínimos – uma virada que altera completamente o mercado

O setor da construção civil passa por um momento de adaptação a uma nova divisão de forças entre consumidores. Com a renda reforçada e maior facilidade para ter acesso a crédito, famílias com renda de até 10 salários mínimos por mês (R$ 4.650) viraram prioridade nos planos de expansão das construtoras. Os sinais desta virada estão nas marcas criadas por grandes incorporadoras para atender esse segmento e na velocidade com que os lançamentos do setor são vendidos.

O segmento da construção que atende essa faixa de renda tem sido chamado de “econômico” – uma forma de se evitar o termo “popular” associado a velhos programas públicos de habitação. Esse filão engloba desde projetos de casas contratados por governos até condomínios com apartamentos compactos de três quartos que não custam mais do que R$ 150 mil.
Segundo levantamento da Brain Consultoria, os apartamentos de dois quartos representavam apenas 5% da oferta na região de Curitiba em 2003. Hoje, ocupam 32% do mercado. “Em geral, esse é o produto mais comum no segmento econômico. Eles são complementados por apartamentos de três dormitórios com área de até 65 metros quadrados”, explica o economista Fábio Tadeu Araújo, da Brain. Além disso, as unidades com dois quartos somaram 45% dos lançamentos feitos em 2009.
A tendência de concentrar esforços nesse segmento começou a ganhar corpo em 2006. Foi quando construtoras como MRV e Tenda, especializadas no segmento econômico, passaram a ter expansão mais rápida. Desde então, outras grandes empresas do setor investiram nessa área. A Gafisa lançou a marca Fit, que tem um condomínio sendo implementado em Curitiba, e depois incorporou a Tenda a seus negócios. A Queiroz Galvão lançou a linha Slim, enquanto a Cyrela criou o selo Living para os projetos de baixo custo. Há poucos dias, a paulista Rossi divulgou que vai aumentar os investimentos na linha Ideal, que deve representar 70% de seus lançamentos neste ano.
“Não tenho dúvidas de que o segmento econômico é o que mais cresce neste momento. Há uma demanda reprimida muito grande no país e só agora as taxas de juros e os prazos estão adequados para essa faixa de renda”, diz Daniela Ferrari, diretora regional da Tenda. Ela conta que todas as unidades do Fit Palladium, construído em parceria com a curitibana Monarca no bairro curitibano da Vila Guaíra, foram vendidas em apenas três meses. A construtora prepara o lançamento de mais um projeto da linha Fit em Curitiba para o segundo semestre.
A rapidez da comercialização é outro sinal da força desse mercado. Daniel Galiano, diretor de vendas da imobiliária Apolar, conta que os lançamentos da mineira MRV na cidade, que ele comercializa, têm velocidade de vendas de 22% por mês – ou seja, de um estoque de 100 unidades, são vendidas 22 por mês. A média do mercado é hoje de 8% e chegou a 10% nos melhores dias de 2008. “Temos uma equipe exclusiva para atender a MRV porque o ritmo de lançamentos acompanha essa demanda”, afirma Galiano.
Pacote
Mesmo construtoras com experiência no mercado econômico de Curitiba dizem que o momento é mais do que uma febre provocada por lançamentos pontuais de grandes incorporadoras. “Pela primeira vez vemos que há condições estruturais para reduzirmos o déficit habitacional no Brasil”, diz Normando Baú, vice-presidente do Sinduscon-PR, sindicato do setor da construção, e sócio da Baú Construtora. Ele ressalta que 95% do déficit de 7,2 milhões de moradias no país se concentra em famílias com renda de até cinco salários mínimos, que precisam de juros baixos e prazos longos para comprar um imóvel.
Parte do trabalho de incluir a classe C no mercado imobiliário foi feito pela redução na taxa básica de juros e pela expansão da renda nos últimos anos. Assim, a demanda por financiamentos já estava em alta quando o governo federal lançou o programa Minha Casa, Minha Vida, que dá subsídios e juros mais baixos para imóveis até R$ 100 mil em cidades com mais de 500 mil habitantes (abaixo disso, o limite é R$ 80 mil). Somente os financiamentos da Caixa Econômica Federal no Paraná cresceram 90% no primeiro trimestre, antes, portanto, de o Minha Casa ser lançado.
Desde abril, os projetos que se encaixam no programa federal passaram a compor uma nova área no segmento econômico. Com as facilidades oferecidas – juros mais baixos, subsídio, seguro mais barato e menor burocracia para o início das obras – o Minha Casa, Minha Vida deve acelerar lançamentos na faixa de preços que atende. “A velocidade de comercialização aumentou. Temos um condomínio horizontal em Ponta Grossa em que vendemos as 80 unidades do segundo módulo em 90 dias”, conta Normando Baú. O preço dos imóveis, na faixa de R$ 60 mil, qualificou o empreendimento para ter o primeiro contrato dentro do programa federal assinado nos Campos Gerais.
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